O amor platônico
É curioso que a mais popular menção ao filósofo grego Platão
derive de um equívoco de seu pensamento, ou seja, de uma distorção de sua
filosofia e não dos tantos e tantos e tantos conceitos que emitiu sobre idéias,
alma, divindade, governo que considerava ideal e vai por aí afora, todos
polêmicos, mas revolucionários para a época que viveu. Qualquer pessoa
medianamente informada já ouviu falar de um tal de “amor platônico”, mesmo que
desconheça do que realmente se trata. Muitas delas, inclusive, já viveram esse
tipo de experiência, notadamente na adolescência, sem que sequer se dessem
conta. Mesmo entre os eruditos há muito equívoco a esse propósito.
A expressão jamais foi usada na Grécia Antiga, nem por
Platão e nem por quaisquer de seus inúmeros discípulos através dos séculos. O
termo só veio a ser utilizado pela primeira vez – na verdade cunhado, pois até
então sequer existia – quase um mil e novecentos anos após a morte do filósofo.
Foi apenas no século XV da nossa era. Curiosamente, porém, é esse tal “amor
platônico” que popularizou Platão (como
se vê, à sua revelia), e não seus inúmeros, brilhantes, posto que polêmicos
diálogos. A expressão foi criada por Marsilio Ficino. Recomendo ao leitor que
busque se informar quem foi e o que fez essa ilustre personalidade.
Trata-se de um filósofo florentino, o maior representante da
corrente filosófica que ficou conhecida
como “Humanismo”, cuja filosofia está na raiz do Renascimento. Ficino
está no mesmo patamar, portanto, de um Giovanni Pico de La Mirandola. Apesar do
respeito que se deve ter pelas idéias desse filósofo renascentista, a expressão
“amor platônico” nasceu do que, no meu entender, é um enorme e injusto equívoco:
o de que Platão, e antes dele seu mentor, Sócrates, nutriam, por seus
respectivos jovens discípulos, uma espécie de paixão homossexual. No que o
pensador florentino se baseou para essa ilação? Na biografia dos dois é que não
foi. Nenhum dos biógrafos de ambos sequer insinuou essa tendência. Talvez
Marsílio Ficino tenha se baseado no fato de Platão não haver se casado e nem
deixado filhos. E daí? Conheço dezenas de solteirões convictos e empedernidos
que, nem por isso revelam ou alguma vez revelaram a mínima tendência
homossexual.
De acordo com pesquisa do IBGE, divulgada em 2013, 48,1% dos
brasileiros são solteiros e metade deles não têm planos de se casar. Quer dizer,
então, que todo esse contingente tem tendências homossexuais?!!! Ora, ora, ora.
Apenas mentes muito maliciosas, possivelmente insanas, fazem esse tipo de
ilação. Amor platônico é, na acepção vulgar, a ligação amorosa entre duas
pessoas, de “sexos diferentes”, onde não há qualquer tipo de interesse
envolvido, sobretudo o sexual. Ademais, esta definição difere da concepção do
amor ideal defendida por Platão. O filósofo concebeu esse sentimento como algo
essencialmente puro e desprovido de paixões. Entendia que estas são
essencialmente cegas, materiais, efêmeras e falsas. O Amor, no ideal platônico,
fundamenta-se exclusivamente na virtude, na verdade e na beleza espiritual.
Pode ocorrer entre pessoas do mesmo sexo? Pode e certamente
ocorre, e em profusão, mundo afora. Mas não tem nada a ver com o autor de “A
República” e com suas idéias. A enciclopédia eletrônica Wikipédia informa a
respeito: “Platão defendia que o Verdadeiro Amor nunca deveria ser
concretizado, pois quando se ama tende-se a cultuar a pessoa amada com as
virtudes do que é perfeito. Quando esse amor é concretizado, não raro aparecem
os nativos defeitos de caráter da pessoa amada”. Observo que minha admiração
pelo filósofo não me obriga a concordar com todas suas idéias. E não concordo
mesmo. Não, pelo menos, com essa. Se todas as pessoas no mundo agissem da forma
que Platão propôs, a humanidade há muito estaria extinta. Esse tipo de amor que
ele considerava ideal pode ser bonito para fazer literatura, mas é estéril.
Para mim, amor verdadeiro envolve tanto o que o filósofo grego considerava sublime
e desejável, quanto o aspecto físico, a conjunção carnal, sem a qual ele jamais
se materializa e se revela em toda sua grandeza e transcendência.
Além do que, se Platão foi solteiro, Sócrates (seu mestre e
mentor) não foi. Foi casado, e por duas vezes. Sua primeira esposa foi Xantipa,
com a qual gerou Lamprocles. A segunda mulher foi Mirto, com a qual teve os
filhos Sofronisco e Menexeno. No diálogo platônico “O Banquete”, o autor
descreve Sócrates numa reunião, em que era a personalidade mais importante entre
os presentes. Ele diz, segundo Platão, que na juventude foi iniciado na
filosofia amorosa por Diotima de Mantinea, que era uma sacerdotisa. Foi esta
que lhe ensinou a genealogia do amor. Por isso as ideias desta mulher estão na
origem do conceito socrático-platônico sobre tal sentimento. E estas não tinham
rigorosamente nada a ver como homossexualidade.
Boa leitura.
O Editor.
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"Amor sem sexo é amizade, sexo sem amor, é vontade".
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