Cárie da inteligência
O ceticismo exacerbado é um veneno
letal que, dependendo da dose, tende a matar a inteligência. E essa afirmação
não é exagerada, como a própria lógica, aliás, sugere. Como vou entender o que
quer que seja se não acredito nisso? Não entenderei, claro! Os antídotos para
essa mortífera poção venenosa são apenas dois: a comprovação concreta,
insofismável e sem a menor sombra de dúvidas, de que aquilo em que não
acreditamos existe de fato e é mesmo como se diz, e a fé.
Fôssemos esperar por provas para
entender o que somos, onde estamos e o que fazemos, estaríamos ainda num
estágio de absoluta obtusidade mental. Dependeríamos exclusivamente dos
instintos para sobreviver, como ocorre com os demais animais. Não teríamos filosofia,
ciências, artes, religião, tecnologia e nada do que nos caracteriza como seres
racionais. Viveríamos na maior das obscuridades e nem há certeza de que já não
estaríamos extintos como espécie.
É certo que um tantinho de ceticismo,
na dose adequada, não faz mal a ninguém. Não podemos sair por aí, por exemplo,
acreditando, de cara, em tudo o que lemos, vemos, ouvimos ou pensamos sem uma
análise, mesmo que superficial. Há que se ter, porém, (como em tudo na vida)
moderação e bom-senso. Os céticos absolutos (se é que os há), que fazem do
ceticismo dogma, não são filósofos como se dizem (pois não crêem na filosofia),
cientistas (descrêem da ciência) e muito menos pesquisadores da verdade (de que
duvidam que exista). São parasitas infelizes, pessoas sem norte ou rumo.
O ceticismo, palavra derivada do verbo
grego “sképtomai” (que significa “olhar à distância”, “examinar”, “observar”),
é a doutrina que afirma que não se pode obter nenhuma certeza a respeito da
verdade. Implica em uma condição intelectual de perpétua dúvida. E mais, de
admissão, a priori, da incapacidade de compreensão de fenômenos metafísicos,
religiosos ou mesmo da realidade.
Há, nessa definição, enorme paradoxo,
ou seja, inconciliável contradição. Se o supostamente cético “crê” na
incapacidade de compreensão de fenômenos metafísicos, religiosos ou mesmo da
realidade, acredita em alguma coisa. Dessa forma, seu propalado ceticismo foi
para o espaço. Se “acredita” nisso, por que não poderia acreditar, também, em
tantos outros princípios, que são verdadeiros (pelo menos até prova em
contrário)?
Vitor Hugo cunhou interessante metáfora
para esse tipo de descrença liminar, absoluta e inflexível. Classificou-a de
“cárie da inteligência”. Da mesma forma que a primeira destrói, paulatinamente,
um dente, até que seja impossível sua restauração (se este não for tratado a
tempo), a segunda erode a capacidade de pensar do infeliz que está sob o seu
domínio. Como essa pessoa pode ter futuro, se sequer acredita nele? Como pode
amar, ter alegria, buscar a felicidade, se não crê em nada disso?
Os odontologistas definem cárie como
uma doença originada da associação de placas bacterianas cariogênicas com
açúcares ingeridos na alimentação. Quando ambos se encontram, produz-se uma
reação química. Formam-se ácidos, que propiciam a saída de minerais do dente. Estes
destroem, pois, a camada protetora de esmalte, o que propicia a ação demolidora
das bactérias, causando a destruição localizada dos tecidos dentais. A cárie,
embora alguns não saibam, é contagiosa, como várias tantas doenças. O ceticismo
também contagia incautos. A cárie, em geral, ocorre em decorrência de dietas
alimentares inadequadas e, sobretudo, da falta de higiene bucal.
O ceticismo doentio e danoso tem
(guardadas as devidas proporções, pelo menos nas causas primárias) evolução
parecida com essa que ocorre em nossa boca. Manifesta-se por causa de “dieta”
inadequada de pensamentos, decorrente de deficiências na educação e,
principalmente, da falta de higiene mental. Ou seja, da ausência de incessante
seleção de idéias, em que as nocivas e equivocadas (as destrutivas) sejam de
imediato eliminadas, e as positivas estimuladas e consolidadas, numa profilaxia
preventiva que funciona a contento em cem por cento dos casos.
Dúvidas razoáveis, que todos temos em
algum momento das nossas vidas (na verdade, em vários deles), mas que são
facilmente esclarecidas, não podem ser confundidas com ceticismo, ou seja, com “a
admissão a priori da incapacidade humana de compreensão de fenômenos
metafísicos, religiosos ou mesmo da realidade”. Isso descamba para a alienação,
que anda, via de regra, de mãos dadas com a omissão, atitude que considero das
mais covardes e negativas que uma pessoa possa assumir. Cuidado, pois, com o
perigo representado por esta “cárie da inteligência”. Cuide, com carinho e
assiduidade, da higiene bucal e, sobretudo, da mental.
Boa leitura!
O Editor.
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Tenho pendor para o ceticismo, como o compreendo. Não tenho facilidade em ser uma pessoa de Boa Fé. De um lado, São Tomé precisou enfiar o dedo no buraco da lança no fígado de Jesus Ressuscitado para acredita que era Ele mesmo, e de outro, noutra passagem o próprio Cristo disse: mas o que é a verdade? Ou algo semelhante. As pessoas ingênuas são bastante crédulas e isso é um mal. Acreditam que deverá entregar dez por cento do que ganha para fulano, todos os meses, que tal chá emagrece, que tal remédio natural irá reverter um câncer, que tal cinta afina a cintura e outras imbecilidades. Diante de tantos golpes é bom se prevenir. Quanto ao exemplo da cárie, a considero infeliz, já higiene mental, a faço através da psicanálise há quase 15 anos. Talvez o meu comentário não contemple o seu texto, Pedro, pois teria ceticismo pernicioso quem em nada acredita, nem nele e nem na Ciência. Entendi. Mas a gente vê pessoas acreditando em tanta bobagem, que acho melhor ficar atento para não cair no ridículo.
ResponderExcluirPerdoem os verbos no singular, por favor. Falta de revisão.
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