O não-pensamento
A possibilidade de pensar é das
prerrogativas mais nobres que temos e, ao mesmo tempo, é um dever usá-la com
competência e correção. Pensamos, via de regra, sempre tendo em vista alguma
ação, positiva ou negativa, boa ou má (não importa) que pode ocorrer ou não.
Há, porém, pensamentos de todos os tipos: superficiais ou profundos,
articulados ou difusos, sadios ou doentios, coerentes ou incoerentes
etc.etc.etc. Mas em momento algum, mesmo que inconscientes, deixamos de tê-los.
Recordo-me da última vez que fui
anestesiado (isso há muito tempo) para ser submetido a uma cirurgia. Lembro-me
de tudo o que pensei na ocasião, antes de tomar a anestesia, durante o período
que durou seu efeito e depois que este passou. Claro que nem todos os pensamentos
então foram coerentes e muito menos voltados para a ação. A maioria não foi.
Mas eles existiram e estiveram o tempo todo na minha cabeça, mesmo sob o efeito
do potente anestésico.
Surge-me, pois a pergunta: existe o que
possa ser denominado de “não-pensamento”? Há algum momento não somente do dia,
mas da vida, em que não pensamos rigorosamente em nada, em que nossa mente se
torne uma tela branca, imaculada, sem nenhuma, absolutamente nenhuma imagem,
raciocínio, lembrança, vontade ou seja lá o que for? Entendo que não! Mesmo
dormindo, estamos o tempo todo pensando. O sonho é uma forma de pensamento.
Nossa mente, a exemplo do coração, trabalha 24 horas por dia,
ininterruptamente, e todos os dias da nossa vida.
O mentalmente insano pode não pensar de
forma coerente e ordenada, mas pensa, posto que doentiamente. Tente “limpar” a
mente, não pensar rigorosa e absolutamente em nada. Tentou? Conseguiu? Claro
que não! Isso está além da sua vontade, da minha, da nossa ou de quem quer que
seja.
Quem tem o saudável hábito da meditação
sabe do drama que é tentar se concentrar em uma única e específica idéia,
tantos são os pensamentos que temos ininterruptamente. Um dia ele consegue, mas
apenas com muito treino, com muito exercício e, mesmo assim, volta e meia, acaba
por se distrair. Há dias que, por mais disciplinado e experiente que alguém
seja, não consegue se concentrar num único foco, num pensamento específico.
Tudo ao seu redor o distrai.
Trouxe o tema à baila depois de ler, no
livro “A Imortalidade”, de Milan Kundera, esta afirmação: “Nada na realidade
exige mais esforço do pensamento do que a argumentação necessária para
justificar o não-pensamento”. Foi quando me indaguei: “existe esse tal de
não-pensamento, esse estado de rigoroso torpor da mente em que não se pensa em
absolutamente coisa alguma?”. Concluí que não!!! Houve um equívoco, pois, do
ilustre escritor checo. Ele quis referir-se ao pensamento inespecífico, vago,
sem forma e sem análise, mas ainda assim pensamento. O não-pensamento não
existe!!!
Tanto esta minha conclusão é
verdadeira, que Kundera escreve, na sequência: “Pude constatar isso
pessoalmente depois da guerra, quando os intelectuais e artistas entraram como
bezerros para o partido comunista, que depois, com o maior prazer, liquidou-os
sistematicamente”. Neste caso, a referida adesão deu-se por falta de análise
das possíveis conseqüências, não por ausência de pensamentos. Pensar esses
intelectuais e artistas até que pensaram. Só que pensaram errado, não mediram
as conseqüências das ações derivadas desse raciocínio afoito (e provavelmente
oportunista).
A propósito da meditação, Bhagvan Shree
Rajneesh, em seu "O Livro Orange", dá preciosa orientação sobre como
meditar: "Na meditação você está fazendo nada em particular, está
simplesmente sendo. A meditação não tem passado, não está contaminada pelo
passado. Não tem futuro, está limpa de qualquer futuro. É o que Lao Tzu chama
de we-wu-wei, ação através da não-ação. É o que os Mestres Zen têm dito:
sentando-se em silêncio, sem fazer nada, a primavera vem, a grama cresce por si
mesma. Lembre-se: por si mesma – nada é feito. Você não puxa a grama para cima;
a primavera vem e a grama cresce por si mesma. Esse estado – no qual você
permite que a vida siga seu próprio caminho, sem querer dirigi-la, sem querer
controlá-la, sem a manipular, sem lhe impor nenhuma disciplina – esse estado de
pura e indisciplinada espontaneidade é meditação".
Há, é verdade os que não “querem”
pensar, aferrados a pensamentos alheios, que colocam como dogmas. Não é que não
pensem. Pensam, sim, e muito, e o tempo todo, posto que à revelia. O que não
sabem é disciplinar os pensamentos e orientá-los para rumos corretos. Por isso,
via de regra, agem de forma incompetente, negativa e desastrada. São os fanáticos, que impedem, com sua falta
de visão, o progresso dos povos.
Há, por outro lado, os que não “podem” pensar
com clareza e lucidez, por deficiência mental. Mas, ainda assim, pensam. São os
loucos e idiotas, que não têm culpa desses males. Mas não “ousar” pensar de
forma coerente, ordenada e lúcida é o delito dos delitos. Significa omissão. E
o omisso é um parasita, que sempre depende que outros façam o que lhe caberia
fazer.
Um dos maiores cuidados que devemos ter
na vida, pois, se refere ao teor e à qualidade dos pensamentos. Eles são,
reitero, as matérias-primas, os gatilhos, os deflagradores das ações. Mesmo que
não venhamos a nos dar conta, somos, de fato, o que pensamos. Se pensarmos que
somos infelizes, coitadinhos e fracos, por exemplo, assim seremos. Se nutrirmos
pensamentos negativos, de mágoas, ressentimentos, ciúmes e vinganças, estaremos
apostando na infelicidade. E seremos infelizes. Por isso, o mais inteligente e
produtivo é preenchemos, e o tempo todo, nossa mente com idéias positivas,
construtivas e sadias, mediante conversações que nos acrescentem algo e nos
melhorem; leituras selecionadas e... meditação constante.
Contudo, achar que exista o “não-pensamento”
– como Milan Kundera (erroneamente) caracterizou o pensamento afoito, sem
fundamento ou análise – é enorme bobagem. O pensador budista Pali Tripitaki
lembra: “O que somos hoje é uma conseqüência do nosso pensamento de ontem, e o
nosso pensamento presente constrói a nossa vida de amanhã: a nossa vida é uma
criação do nosso espírito”. Assim, se não pensássemos... não existiríamos...
Boa leitura.
O Editor.
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Somos o que pensamos e não seríamos se não pensássemos. Gostei da ideia de que o sonho é uma forma de pensamento.
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