Dogmas e opiniões
A polêmica é uma arte, mas ainda não é
bem entendida, principalmente por quem não está afeito ao campo das idéias. Há
quem a entenda como sinônimo de “briga” ou de “discórdia hostil” e que seja,
portanto, uma atitude ruim. O polemizador é visto como encrenqueiro, o sujeito
que só quer arrumar confusão. Quem encara a polêmica dessa forma não sabe o
que ela é e desconhece sua importância para o avanço mental, moral e filosófico
da humanidade. Há um ditado popular que diz que “da discussão nasce a luz”.
Não, óbvio, daquela azeda e desrespeitosa, que via de regra desemboca no
desforço físico.
Polêmica, por definição, é a arte de
“provocar disputas e causar controvérsias em diversos campos discursivos”. É um
confronto de opiniões, objetivando, mediante esta “ferramenta” dialética,
também pouco entendida, que é a retórica (a arte do “repto”, ou seja, do
“desafio”), melhorar ou, se for o caso, modificar radicalmente determinada
opinião sobre algum conceito. Impede a esclerose de idéias e não permite que,
mesmo que equivocadas, venham a se transformar em dogmas, consagrando e
petrificando erros. O que se busca, sempre, é algo vago e indefinido, em nome
do que já se cometeu muita atrocidade e injustiça, chamado de “verdade”. Muito
cuidado com essa palavrinha.
Muitas vezes, o que se nos afigura
rigorosamente verdadeiro, com um estudo mais aprofundado e com discussão séria,
feita com argumentos sólidos e irretorquíveis e espírito aberto, se comprova
ser mera falsidade. O que temos, a respeito da maioria dos temas que
influenciam nossas vidas, são meras opiniões. É importante tê-las. Mais
importante, porém, é impedir que se petrifiquem e não possam ser mudadas, se
alguém comprovar que estão erradas.
Os que têm alguma coisa útil a dizer
ambicionam ser ouvidos (ou lidos), com respeito e com atenção. Poucos, todavia,
têm esse privilégio. Meu ensaísta predileto, Henry David Thoreau, fez essa
constatação no ensaio “A vida sem princípio”. Para quem não o conhece, foi um
anarquista (no sentido lato do termo, ou seja, do que defende a preponderância
do indivíduo sobre governos e organizações) cujos textos são estudados em todas
as escolas dos EUA. Chegou a ser preso, por se opor à interferência do governo
do seu país em sua vida pessoal. Thoreau, inspirador de Gandhi, escreveu:
“Nunca me senti tão lisonjeado quanto no dia em que alguém pediu a minha
opinião e prestou atenção ao que eu disse... pois é uma forma rara de fazer uso
de minha pessoa; é como estar acostumado a usar uma ferramenta”.
Portanto, é questão de humanidade e de
justiça prestarmos atenção, sempre, nas opiniões alheias, mesmo que contrariem
as nossas. Todavia, nem por isso tais opiniões devem ser acatadas liminarmente,
como suprassumos da verdade. Torno a recomendar: muito cuidado com essa
palavrinha. E tenham cautela para não estabelecer (e para não se submeter a)
dogmas. Esse é o maior veneno para o avanço intelectual (e moral e até
material) de qualquer pessoa. Por que?
Há exemplos em profusão de como a
tentativa de se refugiar em algum dogma, tido e havido como a máxima expressão
da verdade (e que o tempo se encarregou de mostrar que era grosseiramente falso
e, portanto, reitero mais uma vez: muito cuidado com essa palavrinha) , induziu
categorias inteiras aos mais ridículos erros. Por exemplo, antes das pesquisas
de Johannes Kepler, ou de Tycho Brahe, ou de Galileo Galilei Galileu, ou de
Giordano Bruno, pretensos cientistas
davam como "favas contadas" que a Terra era o centro do Universo e
que o Sol é que girava ao redor do nosso planeta. Negar o geocentrismo deu
cadeia, e muitas vezes a fogueira, por "crime de heresia", a um
número grande de pessoas preparadas e responsáveis.
Os doutores da Igreja, defensores
desses dogmas, atrasaram em séculos a evolução da astronomia, da física e de
tantas outras disciplinas científicas. Não se deve, pois, acorrentar o
pensamento, seja a que pretexto for, sob pena de se cometer ridículos erros de
avaliação. Muitos dogmas sobre a finalidade da vida foram erigidos, e persistem
e até se multiplicam nos dias atuais. Eles têm o efeito de uma espécie de
"narcótico", para afastar seus crentes da dura realidade, por serem
acatados cegamente, sem reflexões ou considerações, por milhões de pessoas, que
se sentem "felizes" por não serem "obrigadas a pensar". Deixam
que outros pensem por elas.
O imperador romano Júlio César observou
que "os homens têm grande disposição para acreditar no que desejam".
E como têm! Diariamente, aparecem charlatães, com receitas
"milagrosas" sobre a arte de viver, ditando normas, de conformidade
com suas fantasias e ilusões. E nunca lhes faltam discípulos e adeptos.
Religiões e mais religiões surgem dos nada, criadas por espertalhões, que
exploram a ignorância, inocência ou boa fé dos mais simples ou néscios. Mas
saber, mesmo, qual a finalidade da vida... ninguém sabe.
Por que os seres – animais ou vegetais
– nascem, se desenvolvem e se reproduzem, se estão, irremediavelmente,
condenados a morrer? Não seria um desperdício? Há vida em outras partes do
Universo? Caso a resposta seja afirmativa, ela é igual, semelhante ou diferente
da existente na Terra? São perguntas, perguntas e mais perguntas, infinitas
delas, sem respostas sequer satisfatórias, quanto mais dogmáticas. Tais
questões há muito desafiam filósofos, biólogos, astrônomos e especialistas nas
mais diversas áreas da ciência, sem que ninguém haja sequer se aproximado de
uma conclusão.
Os que têm fé, fundamentam os objetivos
da vida na esperança da eternidade, embora de forma muito vaga, em geral
induzida por suas próprias crenças e fantasias, quando não por dogmas, que não
resistem à mínima análise factual ou lógica. A maioria prefere mergulhar numa
desesperada alienação, "vivendo" apenas, sem inquirir a si próprios,
à sua lógica e razão, sobre significados ou finalidades e sem ousar polemizar,
deixando que suas convicções se esclerosem, necrosem, petrifiquem, em vez de
serem arejadas e continuamente renovadas. Fuja, pois, de dogmas e de dogmáticos!!!
Boa leitura.
O Editor.
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