Temer: a pátria discriminadora
* Por
José Ribamar Bessa Freire
A escola está
preparada para lidar com alunos portadores de deficiência? Com os que professam
diferentes religiões? Com os que falam uma língua de migração, uma língua
indígena ou que dizem em português "nós pega o peixe" fora da norma
padrão? Professores recebem nos cursos de pedagogia e de licenciatura formação
para lidar com a diversidade sociocultural, religiosa e linguística e para
incluir na sala de aula alunos tradicionalmente discriminados? Quem são esses
professores? Qual o seu perfil? Quais dificuldades encontram para combater o
preconceito e a intolerância? Quais as conquistas e os avanços já obtidos nesse
campo e o que o presidente interino do Brasil propõe como política educacional?
Essas e outras
perguntas foram feitas nesta semana num seminário realizado na Universidade de Quebec entre
professores e pesquisadores brasileiros e canadenses, comparando as práticas
educativas nos dois países. Em outra oportunidade, abordaremos questões
pontuais discutidas no evento, que demonstrou preocupação com a situação
política no Brasil e com a continuidade de políticas de inclusão. Agora,
publicamos aqui uma carta aberta à comunidade internacional assinada pelos
participantes, que foi publicada em francês em jornais canadenses.
CARTA
ABERTA À COMUNIDADE INTERNACIONAL
Trois-Rivières,
Canadá, 26 de maio de 2016
Nós, participantes do
Seminário comparativo Brasil-Quebéc, reunidos na Université du Québec à
Trois-Rivières de 24 a 26 de maio de 2016,
denunciamos a manobra parlamentar que provocou a destituição da
presidente do Brasil, Dilma Rousseff. Juntamente com outros pesquisadores e
educadores, nós conclamamos a sociedade internacional a questionar a legalidade
e a legitimidade do governo interino, bem como a idoneidade moral e política
das suas decisões, que colocam em risco a democracia e a soberania brasileira.
O Seminário intitulado
“Por uma sociedade inclusiva: Formação de educadores no contexto da
diversidade” é fruto de treze anos de cooperação científica entre pesquisadores
de universidades brasileiras e canadenses, que desenvolvem estudos e debates
para incorporar na vida social grupos historicamente excluídos, promovendo
políticas públicas interculturais e inclusivas.
A diversidade
etnocultural, produzida por processos de colonização, coloca desafios de
inclusão democrática nas sociedades pluralistas. A educação formal e informal,
considerando as suas funções educativas e socializadoras, desempenham um papel
central para dar respostas a essa questão. Há um amplo consenso internacional
quanto à importância de se formar atores
educacionais para o trabalho em contextos de diversidade. Durante este
seminário, discutimos práticas, projetos e políticas que visam incluir grupos
"minoritários" na educação e na
formação de professores e de outros atores sociais.
A participação do
Brasil nos esforços internacionais para promover uma sociedade justa, solidária
e aberta às diferenças socioculturais, encontra-se ameaçada pela agenda
política do governo interino instituído no Brasil a partir 12 de maio do
corrente ano, como resultado do que foi denominado de "golpe de
Estado", conforme termo usado por analistas políticos na imprensa
internacional. O processo do impeachment encaminhado sucessivamente na Câmara
de Deputados em 17 de abril e, no Senado Federal, em 11 de maio do corrente
ano, determinou o afastamento da Presidente Dilma Rousseff por até 180 dias.
Durante este período, o Senado Federal julgará o mérito das acusações alegadas
para justificar o impedimento do mandato presidencial.
Embora o rito jurídico
tenha sido formalmente seguido nestes processos deliberativos do Congresso
Nacional, vários fatores questionam a legalidade, a legitimidade e a moralidade
deste processo de destituição da presidenta eleita em 2014 por 54 milhões de
cidadãos brasileiros. Indicativo da ilegalidade foi, de um lado, a condução do
impeachment pelo Deputado Eduardo Cunha,
ex-presidente da Câmara, afastado por ser réu junto ao Supremo Tribunal
Federal, formalmente acusado de corrupção e por abuso de poder. Por outro lado,
a ilegitimidade depreende-se da baixíssima representatividade da Câmara dos
Deputados, refém de poderosos grupos de lobbies.
O governo interino,
empossado em 12 de maio passado, nomeou ministros nada representativos das
identidades e dos interesses do povo brasileiro. A composição deste governo
provisório fere a equidade e a representação de diversos grupos etnoculturais
do Brasil, da mesma forma que a paridade de gênero. Foi composto apenas de
ministros homens, "brancos" e ricos, sete dos quais estão implicados
em processos de corrupção.
Ao promover uma
reforma do Estado Brasileiro, que implica mudanças dificilmente reversíveis de
políticas públicas, ameaça direitos políticos e sociais democráticos
construídos ao longo dos últimos 13 anos pelos governos Lula e Rousseff.
Compromete também a soberania nacional, especialmente com a privatização de
empresas públicas. Enfim, o processo de impeachment recebeu apoio midiático e
financeiro de grupos econômicos nacionais e transnacionais, que vêm dando
suporte à operação articulada de destituição da presidente Dilma e de implantação de políticas antidemocráticas.
Por estes motivos e
porque valorizamos o desenvolvimento e a implementação de políticas públicas
inclusivas agora ameaçadas, questionamos a legalidade, a legitimidade e a
moralidade do governo interino assumido e exercido no Brasil pelo
vice-presidente Michel Temer. Esperamos que a comunidade internacional possa
contribuir para amplificar a voz dos milhões de brasileiros que lutam pelo
restabelecimento da democracia.
P.S. - Na abertura do
Seminário foram lançados vários livros, entre os quais O RIO BABEL - A HISTÓRIA
DAS LÍNGUAS NA AMAZÔNIA, 2ª edição. EDUERJ.
TEMER: LA PATRIE DISCRIMINÉE
L'école est-elle prête
à accueillir des élèves handicapés? Avec ceux qui professent des religions
différentes? Avec ceux qui parlent une autre langue, une langue indigène ou à
ceux qui s’expriment dans un portugais non standardisé et disent "Nous attrape le poisson?" Est-ce
que les enseignants reçoivent dans les cours de pédagogie et dans les études de
licence une formation pour faire face à
la diversité socioculturelle, religieuse et linguistique ? Est-ce qu’ils sont
préparés pour inclure les élèves traditionnellement discriminés dans une salle
de classe? Qui sont ces enseignants? Quel est leur profil? Quelles sont les
difficultés pour combattre les préjugés et l'intolérance? Quelles sont les conquêtes
et les progrès déjà réalisés dans ce domaine ? Quels sont les propositions de
politique éducative du président par intérim au Brésil
Ces questions et
d'autres ont été posées cette semaine lors d'un séminaire tenu à l'Université
du Québec entre les enseignants et les chercheurs brésiliens et canadiens, en
comparant les pratiques éducatives des deux pays. À une autre occasion, nous
discuterons des questions spécifiques abordées lors de l'événement, qui a
exprimé sa préoccupation sur la situation politique au Brésil et sur la
continuité des politiques d'inclusion. Maintenant, nous publions ici une lettre
ouverte à la communauté internationale signée par les participants, qui a été
publié en français dans des journaux canadiens.
LETTRE
OUVERTE À LA COMMUNAUTÉ INTERNATIONALE
Nous, participants au
Séminaire comparatif Brésil-Québec réunis à l'Université du Québec à
Trois-Rivières les 24, 25 et 26 mai, 2016, dénonçons la maneuvre parlementaire
qui a provoqué la destitution de la présidente Dilma Roussef au Brésil. Nous,
avec d’autres chercheurs et éducateurs, appelons la communauté internationale à
questionner la légalité et la légitimité du gouvernement intérimaire, ainsi que
le caractère moral et politique de ses décisions, qui mettent en danger la démocratie
et la souveraineté brésiliennes.
Ce séminaire intitulé
"Pour une société inclusive : Formation des éducateurs dans le contexte de
la diversité" est le fruit de treize années de collaboration scientifique
entre des chercheurs d’universités brésiliennes et québécoises qui oeuvrent au développement et à la mise en
oeuvre de politiques publiques interculturelles et inclusives.
La diversité
ethnoculturelle, produite historiquement par des processus de colonisation,
pose d’importants défis pour l'inclusion démocratique dans les sociétés
pluralistes. L'éducation formelle et informelle, ainsi que leurs fonctions de
scolarisation et de socialisation constituent un levier majeur pour y répondre. Il existe en outre un large
consensus international sur l'importance de former les acteurs éducatifs pour
travailler en contexte de diversité. Au cours de ce séminaire, nous avons
justement eu l'occasion d’échanger sur des pratiques, des projets et des
politiques pour favoriser l’inclusion et l'intégration des groupes minoritaires
en éducation et dans la formation des enseignants et autres acteurs scolaires.
La participation du
Brésil aux efforts internationaux visant à promouvoir une société juste,
solidaire et ouverte aux différences socio-culturelles est toutefois, menacée
par l'agenda politique du gouvernement intérimaire s'étant imposé au pays le 12
mai dernier, à la suite d'un "coup d'Etat", comme l’ont nommé des
analystes politiques dans la presse internationale. Le processus
d'”impeachment”, successivement adopté par la Chambre des représentants le 17
avril et le Sénat le 11 mai, a conduit à suspendre la présidente Dilma Rousseff
de ses fonctions pour 180 jours. Pendant cette période, le Sénat Féderal jugera
du fondement des accusations portées pour justifier l'”impeachment”.
Bien que le processus
juridique ait été formellement suivi par le Congrès National, plusieurs
considérations questionnent la légalité, la légitimité et le caractère éthique
de la destitution de la présidente élue en 2014 par 54 millions de citoyens
brésiliens. Cela transparaît notamment d'une part, par la conduite de l'ancien
président de la Chambre et député Eduardo Cunha, actuellement suspendu de ses
fonctions après avoir été accusé par la Cour suprême de corruption et d'abus de
pouvoir et d'autre part, par la surreprésentation et le pouvoir conféré aux
groupes de lobbies à la Chambre élue.
Le gouvernement
intérimaire, assermenté le 12 mai, a nommé des ministres non représentatifs du
peuple brésilien et de ses intérêts. La composition de ce gouvernement
intérimaire met à mal la représentation des divers groupes ethnoculturels du
Brésil ainsi que la parité des sexes. Il est seulement constitué de ministres
masculins, “blancs” et riches, parmi lesquels sept sont impliqués dans des
affaires de corruption.
En mettant en branle
une réforme de l'État brésilien qui implique des changements difficilement
réversibles dans les politiques publiques, il menace les droits politiques et
sociaux démocratiques construits au cours des 13 dernières années par les
gouvernements Lula et Rousseff,. Il compromet aussi la souveraineté nationale,
notamment par la vente de sociétés d’État. Enfin, le processus de mise en
accusation de la présidente a reçu l'appui des principaux médias du pays et le
soutien financier d’importants groupes économiques brésiliens et
transnationeaux qui soutiennent à la fois le processus de destitution et le
déploiement de politiques anti-démocratiques.
Pour ces raisons, et
parce que nous valorisons le développement et la mise en oeuvre de politiques
publiques inclusives actuellement menacées, nous nous interrogeons sur la
légalité, la légitimité et la moralité du gouvernement intérimaire assumé et
exercé au Brésil par le vice-président Michel Temer. Nous espérons que la
communauté internationale pourra contribuer à amplifier la voix de millions de
Brésiliens qui luttent pour le retour de la démocratie.
Signataires
Françoise Armand -
Université de Montreal (Canada)
José Ribamar Bessa -
UERJ e UNI-RIO (Brasil)
Martha Kaschny Borges
- Universidade do Estado de Santa Catarina (Brasil)
Corina Borri-Anadon -
Université du Québec à Trois-Rivières (Canada)
Elcio Cecchetti -
Fundação Universidade Regional de Blumenau (Brasil)
Reinaldo Matias Fleuri
- Instituto Federal Catarinense (Brasil)
Gustavo Gonçalves -
Universidade Federal do Sul da Bahia (Brasil)
Julie Larochelle-Audet
- Université de Montreal (Canada)
Claude Lessard -
Université de Montreal (Canada)
Sandra Cordeiro de
Melo - Universidade Federal do Rio de Janeiro (Brasil)
Geovana Lunardi Mendes
- Universidade do Estado de Santa Catarina (Brasil)
Juliane di Paula
Queiroz Odinino - Faculdade Municipal de Palhoça (Brasil)
Claudio Luis Orço -
Universidade do Oeste Catarinense (Brasil)
Sylvie Ouellet -
Université du Québec à Trois-Rivières (Canada)
Álamo Pimentel - Universidade Federal do Sul da Bahia
(Brasil)
Maryse Potvin -
Université du Québec à Montreal (Canada)
Daniel Puig - Universidade Federal do Sul da Bahia
(Brasil)
Mylene Santiago -
Universidade Federal Fluminense (Brasil)
Mônica Pereira dos
Santos - Univesidade Federal do Rio de Janeiro (Brasil)
Joëlle Tremblay -
Université Laval (Canada)
*
Jornalista, professor e historiador.
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