Porque
ser inferior é diferente de ser superior
* Por
Mara Narciso
Há muito não existem
certezas, ou melhor, as muitas certezas brigam entre si, quando num momento se
diz uma coisa e depois se diz e se faz o contrário. Há quem negocie com a
própria consciência alterando a compreensão dela e de si próprio e,
consequentemente, o discurso conforme a conveniência. Surge daí outra postura,
de acordo com a ocasião. Ou o pior: quando se mede um quilo de mil gramas para
si e ao medir para o outro, ajustar para muito mais ou muito menos. Esse
critério vem sendo usado como nunca, já que o pecado alheio é mais feio que o
próprio. Onde ficou a justeza?
O ser humano é um
animal adaptável, acostuma-se com adversidades como nenhum outro, mas enquanto
os irracionais matam para comer, o homem mata para ver a queda. Diante da
conquista não sabe o que fazer. A frouxidão moral ganhou força assustadora. É
tão normal fazer errado, que nem é preciso explicar. A flexibilidade alcançou
extensão perigosa, e as negociações esbarraram na linha do crime.
No preocupante momento
nacional, nem de lupa está sendo possível separar o joio do trigo. De tanto
ouvir iniquidades, alguns brasileiros se desconsolaram para sempre. E pode
haver coisa mais funesta do que o fim da esperança? Chega a doer falar desse
tipo de morte. Qualquer injustiçado entende.
Em 1973, num show ao
vivo, tornado LP (disco de vinil), Maria Bethânia apresentou “Drama Terceiro
Ato”, uma coleção de músicas que se tornaram eternas e de poemas tão fortes
quanto a cantora. As letras cantam coisas assim: “quando eu choro é uma
enchente, quando eu amo, eu devoro”, ou “por que me arrancaste um beijo, por
que me incendiaste de desejo?” “E me arrastei e te arranhei e me agarrei aos
seus cabelos”. “O amor é simplesmente o ridículo da vida”. “O que dizer, o que
calar?” “A solidão vai me matar de dor”. “Marcada a ferro, a fogo em carne viva”.
“Inútil dormir que a dor não passa.”
Numa certa altura
Maria Bethânia fala com alto grau de dramaticidade: “Eu quero ser sempre aquilo
com quem eu simpatizo. E eu torno-me sempre, mais cedo ou mais tarde, aquilo
com quem eu simpatizo. Eu simpatizo com tudo. São-me simpáticos os homens
superiores porque são superiores, e são-me simpáticos os homens inferiores
porque são superiores também. Porque ser inferior é diferente de ser superior.
Isso é uma superioridade a certos momentos de visão. Eu simpatizo com alguns
homens pelas suas qualidades de caráter, com outros eu simpatizo pela falta
dessas mesmas qualidades. E com outros ainda eu simpatizo por simpatizar com
eles. Como eu sou rainha absoluta na minha simpatia, basta que ela exista, para
que tenha razão de ser” (Fernando Pessoa).
Quanto mal é capaz de
gerar a incoerência em todos os níveis, mas especialmente na política? A
decepção tomou conta dos tantos quanto ouvem pregações tétricas, grotescas,
desumanas. Vendem-se ideias sem lógica desde o pessoal até o coletivo, numa
espécie de enlouquecimento que tomou conta da nação. O barco é um só, a
população está dividida, e o afundamento será geral. Caso o país estivesse
humanizado, haveria colete salva-vidas para todos, porém, uma parcela dos
passageiros não quer a divisão, mas nega.
Num mundo de cabeça
para baixo, no qual o ruim é bom e vice-versa, falta pouco para o sol aparecer
à noite, invertendo a situação noturna. Há um estado de incoerência tal que se
tem um discurso desconexo, desarmônico, discordante, disparatado,
contraditório. O Brasil é tudo isso ou nada disso. O país virou uma grande
contradição.
*Médica endocrinologista, jornalista
profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e
Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a
Hiperatividade”
É, tempos de reflexão e aprendizado, Mara. E de aprender respeitando a diversidade. Abraços, Mara.
ResponderExcluirTempos conturbados, de muitas versões e pontos de vista. Que a luz possa nos ajudar. Obrigada, Marcelo.
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