Pobre paga conta de rico
* Por
Frei Betto
Um dos equívocos dos
governos do PT foi implementar uma política neodesenvolvimentista que nem
sequer pode ser qualificada de pós-neoliberal. Enquanto o orçamento do Bolsa
Família para este ano é de R$ 28 bilhões, e o déficit primário do governo chega
a R$ 120 bilhões, o “bolsa empresário” é de R$ 270 bilhões – quase dez vezes
superior. Pai severo com os pobres, o governo atuou como mãe supergenerosa com
os ricos. Nem assim o PT logrou aplacar o ódio de classe contra o partido.
A fortuna do “bolsa
empresário” é o resultado da soma de subsídios, desonerações e regimes tributários
diferenciados para portos, indústrias químicas, agronegócio, empresas de
petróleo e fabricantes de equipamentos de energia eólica.
A agricultura, por
exemplo, quase nada recolhe para a Previdência Social, e a maioria dos
produtores rurais sonega impostos ao se enquadrar na Receita Federal como
pessoa física e não jurídica.
No bolo da sonegação
legal, destaca-se o Sistema S (Senai, Sesc, Sesi, Senac, Senar, Sescoop e
Sest), que mescla seu orçamento com o de inúmeras entidades empresariais, e não
prima pela transparência em suas prestações de contas.
Outro pacote de
bondades ao empresariado é o FI-FGTS, fundo de investimento abastecido por
recursos dos trabalhadores, que aplica quase R$ 23 bilhões em projetos
privados. É gerido pela Caixa Econômica Federal e a referência de retorno para
o fundo é a TR (Taxa Referencial), de cerca de 0,2%, mais 6% ao ano –
percentual generoso comparado às taxas de juros cobradas pelos bancos de quem
toma dinheiro emprestado.
Neste ano, o total de
benefícios tributários, financeiros e creditícios soma R$ 385 bilhões! (Fonte:
Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas). Uma pequena parte
desse montante é destinada à desoneração da cesta básica, e descontos e
isenções para creches e transporte escolar. A parcela maior, de R$ 270 bilhões,
será embolsada pelo setor empresarial privado. Quem garante que haverá retorno
para a economia do país e a sociedade?
Quando se reclamava
que o pacote de bondades era exagerado, o governo alegava que o corte de
impostos ou a sonegação legal visava a fomentar o desenvolvimento das regiões
mais pobres do Brasil. Ora, os dados demonstram que 52% do total de gastos
tributários beneficiam, este ano, o Sudeste, a área mais rica do país.
Só o horário eleitoral
“gratuito” livra TVs e rádios de pagarem, em impostos, R$ 562 milhões. O que
ninguém nunca me explicou é por que o sistema radiotelevisivo do Brasil, sendo
propriedade da União, merece ficar livre de tributação, já que os
concessionários veiculam peças publicitárias regiamente pagas?
No início do governo
Dilma, as desonerações ou sonegações legais eram de R$ 197 bilhões. No fim, R$
385 bilhões. Desse total, R$ 267 bilhões é o que o governo deixou de arrecadar,
dos quais 29% consumidos pela área social (educação, saúde, cultura, meio
ambiente, cidadania, assistência social, trabalho) e 71% ou R$ 190 bilhões
embolsados pelo setor empresarial (agronegócio, indústria, comércio e
serviços).
Enquanto não houver
reforma tributária e o imposto passar a ser progressivo (quem ganha mais, paga
mais), no Brasil os pobres continuarão a pagar as contas dos ricos.
*
Escritor e religioso dominicano. Recebeu vários prêmios por sua atuação em prol
dos direitos humanos e a favor dos movimentos populares. Foi assessor especial
da Presidência da República entre 2003 e 2004. É autor de 60 livros, editados
no Brasil e no Exterior, entre os quais "Batismo de Sangue", e
"A Mosca Azul".
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