Paixão como principal característica
A característica que mais me chamou a atenção, na vida e na
obra de escritora inglesa da primeira metade do século XIX, Mary Shelley – após
a leitura de sua biografia e depois da cuidadosa análise de seus principais
livros – é a paixão que a norteou. É, no caso da Literatura, a exploração, às
últimas conseqüências, de suas convicções, baseadas em recentes (na época)
pesquisas científicas, posto que ainda inconclusivas, algumas derrubadas mais
tarde, mesmo correndo risco de descambar para o ridículo. É a fidelidade ao
amor de sua vida, o poeta romântico Percy Bysshe Shelley, uma espécie de
precursor dos “hippies” do século XX, mesmo este lhe sendo, muitas vezes,
infiel e prejudicial em praticamente todos os aspectos. É a defesa ferrenha e
apaixonada de suas crenças morais, vistas pela sociedade conservadora de então
como contrárias ao o status quo vigente (para dizer o mínimo), sobretudo no
terreno do sexo.
Seu livro mais famoso, “Frankenstein: o Prometeu moderno”,
aquele que a consagrou e que fez com que não fosse esquecida (e que em pleno
século XXI segue sendo reeditado, mundo afora, e vendendo aos milhões), por
exemplo, baseou-se em supostas descobertas do médico Erasmus Darwin, que
assegurou ter trazido à vida seres já mortos. Juntou a elas o resultado dos
estudos do italiano Luigi Galvani, sobre Bioeletricidade, sobretudo sobre a
transmissão de impulsos elétricos pelo sistema nervoso. Oportunamente,
comentarei, com mais vagar, esse romance e como ele “nasceu”. Mas destaco que
Mary Shelley passou (ou pretendeu passar) uma mensagem de advertência sobre os
riscos do ser humano manipular a vida e criá-la por meios artificiais ou, pelo
menos, recriá-la. Aliás, são os mesmos questionamentos feitos a propósito de
uma possível “clonagem” humana.
O Adam, “construído” pelo (fictício) cientista Victor
Frankenstein era, tecnicamente, um “clone”, mesmo que não gerado por células
sexuais (ou pelo menos por uma delas, por um óvulo), mas fruto da junção de
órgãos de cadáveres tornados vivos pela ação da eletricidade (que sequer
existia então, como a conhecemos hoje, ou seja, esta utilizada para iluminar
casas, ruas e cidades e para mover inúmeros tipos de máquinas). A escritora foi
meticulosa na elaboração desse personagem. Construiu-lhe, até, uma biografia
para explicar a razão dele tentar agir como uma espécie de deus. Seu Frankenstein
(o cientista, não o monstro) nasceu em Nápoles e cresceu em Genebra.
Mary Shelley elaborou-lhe, até, a filiação, para torná-lo
verossímil. Ele era filho de Alphonse Frankenstein e Caroline Beaufort, que
morreu de escarlatina quando o futuro cientista tinha, ainda, 17 anos. O
próprio personagem faz descrição de sua ascendência dessa forma: "Sou de
nascimento um genebrês, e minha família é uma das mais ilustres dessa
república. Meus antepassados haviam sido por muitos anos conselheiros e administradores;
e meu pai havia preenchido várias situações públicas com honra e
reputação". Frankenstein tem dois irmãos mais jovens – William, o mais
novo, e Ernest, o filho do meio. Ele apaixona-se por Elizabeth Lavenza, que se
torna sua irmã adotiva (sua prima de sangue na edição de 1818) e, finalmente,
sua noiva.
Enquanto menino, o futuro cientista interessa-se pelas obras
de alquimistas famosos, como Cornelius Agrippa, Paracelso, e Alberto Magno.
Inspirado por eles, Victor Frankenstein anseia descobrir o lendário elixir da
vida. Ele desenvolve uma predileção para a química, e se torna obcecado com a
ideia de criar vida em matéria inanimada por meios artificiais, perseguindo
esse objetivo por dois anos. Convenhamos, é um personagem muito bem elaborado.
Quanto ao livro “O último homem”, Mary Shelley imaginou que
a peste bubônica, que havia matado tanta gente no passado, finalmente
conseguiria completar o que não havia conseguido (por pouco) na pandemia de
1347: eliminar a espécie humana da face da Terra. E, nesse romance, de fato
elimina, ou quase. Afinal, restou alguém vivo, posto que apenas um único e
solitário sobrevivente, o narrador do enredo.
Esse livro, observe-se, foi uma tentativa dissimulada da
escritora de “biografar” seu amado poeta Percy Shelley, cuja biografia fora
terminantemente proibida por seu sogro, membro da nobreza britânica. Dá para
imaginar o por quê da proibição, não é mesmo? Desenvolverei melhor esse aspecto
oportunamente, ao analisar esse livro. Há tanta coisa a ser dita sobre Mary
Shelley que, mal se começa a escrever, e já se preenche o espaço disponível
para o texto programado para o dia. É o que acaba de acontecer...
Boa leitura.
O Editor.
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Impressiona-me e desperta admiração gente que cria o original, aquele ponto de partida para seguidores.
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