O quase
* Por
Marcelo Sguassábia
Entre o vegetariano
inflexível e o carnívoro inveterado, desponta uma nova categoria de comensal.
Fica a meio caminho de uma coisa e outra. Trata-se do quase-vegetariano, aquele
que já assumiu a validade filosófica de não comer bichos defuntos, mas que
ainda não consegue evitar eventuais recaídas.
Considerando que o
refogado de acelga é oito e o churrasquinho grego é oitenta, proponho aos
quase-vegetarianos uma alternativa conciliadora: a opção pelo miúdo,
entendendo-se por miúdo o rim, o coração, o bucho, a moela, o fígado, o miolo,
a língua e outros ítens não tão miúdos no tamanho e na forma. Digo conciliadora
porque tudo isso que elenquei é órgão, e não carne.
Ninguém engorda
porcos, abate rebanhos inteiros ou extermina quilômetros de granjas para
arrancar miúdos. Eles são subprodutos. Que acabam sendo aproveitados para
engrossar embutidos, fazer ração de cachorro, despacho de macumba e outras
variadas coisas, que até Deus duvidaria se não estivesse vendo tudo. Além, é
claro, de abastecerem as partes menos nobres dos balcões dos açougues. O fato é
que a crueldade se dá para extrair a carne e saciar o pitecantropo que resiste
bravamente no engravatado do século 21. Aos órgāos nāo cabe culpa, porque a
carne era o alvo dos matadores (ou matadouros). Não fosse isso, continuariam
cumprindo regularmente seus papéis de vísceras, até os animais morrerem de
velhos.
Há outras vantagens em
dar preferência aos miúdos. De maneira geral, os órgãos têm maior valor
nutricional que a carne - um saudável motivo para que mereçam um julgamento
mais complacente. Depois tem o preço, que é muito menor. Dependendo do tipo de
miúdo, o quilo chega a custar dez vezes menos que a carne de primeira do bípede
ou do quadrúpede morto.
Temos que admitir que
muitos sentem nojo pelo caráter funcional do órgão. Carne é carne e pronto,
parece algo ancestralmente admitido para se comer. O órgão não: ele processa
alguma coisa, tem um papel fisiológico na vida do animal.
Veja a moela, por
exemplo. Ela faz parte do sistema digestivo das aves, uma espécie de bolsa
musculosa que tritura mecanicamente os alimentos ingeridos, especialmente os
grãos. Talvez esse singelo esclarecimento lhe trave o apetite quando se deparar
com uma porção acebolada da dita cuja à sua frente. Mas pode ser também que
essa definição deixe um pouco mais tranquila sua consciência quase-vegetariana,
por estar comendo algo que ia ser desprezado por quem matou o frango para
devorar-lhe apenas o peito ou as sobrecoxas.
Bem, fica a ideia. Vai
um miúdo aí?
* Marcelo Sguassábia é redator
publicitário. Blogs: WWW.consoantesreticentes.blogspot.com
(Crônicas e Contos) e WWW.letraeme.blogspot.com
(portfólio).
Dizem as boas línguas (também um miúdo), que estas partes contém mais colesterol que as demais. Isso procede? Mesmo com dores, eu ri. Obrigada!
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