Na Itália dos meus sonhos III
* Por
Adair Dittrich
Conhecer Capri, não
apenas pela ilha em si o que já é um espetáculo deslumbrante, mas pela sua
famosa Gruta, a gruta incrustada em uma rocha que parece boiar sobre as águas
do mar.
E então, madrugar foi necessário
para cumprirmos o longo percurso, com as diversas mudanças de transporte, que
nos levariam até o interior da Gruta Azul.
O dia ainda não havia
clareado e já estávamos no trem com destino a Nápoles. Apeninos à esquerda. À
direita o mar. E o trem a correr atravessando vilas, atravessando vinhedos,
atravessando olivares, atravessando campos que brancos me pareciam com uma
sequência infinda de rebanhos de ovelhas a pastar.
Na estação ferroviária
de Nápoles um mundo de explicações sobre o roteiro para a Capri chegarmos.
Ao ponto dos ônibus nos dirigimos, já com o
bilhete à mão e o cuidado para não errarmos aquele que nos deixaria no cais
indicado do movimentado porto de Nápoles onde tomaríamos um barco em direção à
ilha de Capri.
Em desabalada carreira
fomos contornando ruas, veredas e vielas, ultrapassando motos, muitas motos,
ultrapassando carros e o condutor sorrindo nos olhava como se aplausos
estivesse nos pedindo pela sua exímia perícia.
Imagens já vistas em
filmes, já vistas em inúmeras revistas foram desfilando ante os nossos olhos.
Imagens daqueles prédios eternamente coloridos com um sem fim de roupas, de
todos os matizes, penduradas nas janelas, verdadeiras bandeiras desfraldadas,
como se todos os dias, ali, dias de festa fossem.
E o ônibus avançava,
corcoveando, enquanto, embevecida eu só olhava para fora, não perdendo nada do
que escrito eu visse nos letreiros que se sucediam ao lado. Placas de lojas, de
oficinas, de tudo o que imaginar se possa existir nas ruas de uma cidade
efervescente. E no meio daqueles letreiros surge um nome familiar para mim, o
nome de meus tios e primos em uma pizzaria. Sim, em grandes letras lá estava o
nome Berti. E com um Berti, vindo daquela região casou-se a irmã de minha Nonna
Thereza Gobbi. No ar senti a presença da família.
E apesar de toda
aquela correria desenfreada, inteiras chegamos ao barco apinhado de turistas,
que, como nós, angustiados estavam para ver Capri e a decantada e tão cantada
em verso e prosa Gruta Azul.
Foi demorada a viagem
na grande embarcação que tomamos. Mas, pudemos, assim, melhor apreciar a baia
de Nápoles, quase in totum, a linda baia de Nápoles com suas inúmeras pequenas
ilhas pontilhando ao largo.
E a cor daquelas águas
rebrilhando ao sol em variadas nuances do verde ao azul, cada vez mais límpidas
à medida que do porto a distância aumentava.
As emoções na Itália
sucediam-se. Derrubaram-me já no desembarque. Ao longe avistei o florido local
que abrigava um Restaurante. O nome dele me fez chorar. “Ristorante Dona Nena”.
Nena, o nome pelo qual o mundo conhecia minha mãe. Um apelido que a acompanhou
pela vida, o seu apelido de infância. E foi num restaurante que ela pautou a
sua vida. E foi de um restaurante que ela fez a sua vida.
Mas comer era algo a
se pensar bem mais tarde. Urgia agora fazer o passeio para a Gruta, enquanto a
maré vazante era. Com a alta a entrada na Gruta tornar-se-ia mais difícil ou
até impossível.
Iniciamos outra etapa
de embarques e desembarques. Primeiro entramos numa pequena embarcação a motor
que nos levou até bem perto das escarpas onde se situa a Gruta. Dali passamos
para um pequeno bote que um remador habilmente conduzia. Um bote de dimensões
diminutas, apenas suficiente para se ultrapassar o pequeno buraco que nos
levaria ao interior do místico local, onde, já nos tempos do Império Romano,
imperadores com seus séquitos promoviam suas aquáticas orgias.
Com maestria o
barqueiro nos transporta, impulsionando, com um remo só, o pequeno bote,
desviando-se das altas ondas e entre elas deslizando.
E eis que surge o
espetáculo à entrada da Gruta. Espetáculo de luzes. Intensa claridade invade
todo o interior. Uma claridade azul. São os raios do sol que, incidindo sobre
as águas do mar refletem-se em todas as paredes, na irregular abóbada, nas
saliências e reentrâncias da rocha bruta e se espalha deslumbrantemente em
todas as direções. São fulgurantes estrelas azuis dentro de uma caverna.
A Gruta é um enorme
rochedo por dentro escavado que parece ali ter sido colocado sobre pilotis,
deixando que pelas frestas, na linha d’água, em todo o seu contorno, a luz
meridiana se multiplique em milhares de pontos que ultrapassam a nossa
imaginação. Eu não consigo descrever o que vi e o que senti. Impossível contar
do abstrato que vai dentro de mim quando recordo aquele encanto quase
sobrenatural.
Mas não era possível
lá permanecer por longo tempo. O afluxo de pessoas para vê-la não cessava.
E fizemos o caminho de
volta para a ilha. E apreciamos um peixe à moda mediterrânea no Ristorante Dona
Nena.
Mas o passeio para
Anacapri era imprescindível. Anacapri, no alto da colina, com a Vila de San
Michelle onde viveu o médico, escritor e ambientalista sueco Axel Munthe.
O panorama desfrutado
lá do cume é outro deslumbramento e o fomos apreciando, aos pedaços, de dentro
do alucinado ônibus que as encostas da ilha descia. Eu juro que, ao nos
encontrarmos com um similar que a íngreme estrada subia quase encostamos nos
ocupantes do outro lado. Gritaria generalizada em ambos os veículos, gritaria
que ressoou pelos rochedos escarpados que nos rodeavam.
Chegada era a hora de
tomarmos nosso barco e retornarmos a Nápoles. Agora o êxtase todo era o quase
crepúsculo do entardecer. O sol, por inteiro, a se aproximar da linha do
horizonte, proporcionando-nos um novo espetáculo de luzes e cores. Uma troca
esfuziante de tons entre o céu e o mar.
E do porto de Nápoles
para a estação ferroviária, em novo tropel dentro do mesmo coletivo que até lá
nos levara. Com o mesmo sorriso de um motorista convicto de que suas acrobacias
só sucesso faziam.
Em Capri disseram-nos
que não poderíamos retornar ao Brasil sem conhecermos a melhor pizzaria de
Nápoles, a pizzaria Michelle, bem perto da estação de trens. E lá saboreamos a
famosa Margueritta, com dupla camada de queijo sobre fina e crocante massa.
Somente após ter lido o romance “Comer, rezar, Amar” (*) foi que descobri haver
saboreado a melhor pizza do mundo.
E o escurecer de todo
surpreendeu-nos no trem durante o retorno a Roma.
(*) Romance de
Elizabeth Gilbert.
*
Médica e escritora.
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