Manuscrito de Elantra
* Por Marcelo Sguassábia
Não demorou muito para
perceber que o mundo tinha acabado, e que aparentemente só restava o que sobrou
de mim para fazer companhia às bactérias.
É impossível precisar
como ou quando exatamente recobrei os sentidos após a hecatombe, e o que a
desencadeou. Não houve aviso nem pânico que a precedesse. Seja lá o que tenha
acontecido, foi muitíssimo rápido o golpe de extermínio. Enquanto tirava o pó
dos olhos e ensaiava uns passos com o que supunha ainda serem minhas pernas,
tentava adivinhar a causa entre as possibilidades mais plausíveis: o louco
ditadorzinho de Oregons Lanontry em incontido surto megalômano, um meteoro em
súbito desvio de rota, um insuspeito arsenal nuclear do Estado Setentrional,
quem sabe a fúria da natureza em desastroso revide.
Nem a céu aberto (e é
tudo a céu aberto agora), nem sob os escombros havia sinal de água ou comida.
Nenhum inseto voador ou rastejante. O que se conhecia por matéria parecia
afetada em seu nível molecular. Objetos
e seres ganharam um contorno inédito e sem definição possível. Mas isso parecia
ilógico, uma possibilidade que contradizia a minha relativa inteireza física e
o meu raciocínio para escrever. Como somente eu não estava destruído ou
transformado em outra desconhecida coisa, ainda mantendo sentidos e consciência,
ao contrário de tudo ao redor?
Este relato, escrito
com o que melhor se aproximava de um lápis sobre aquilo que melhor se
aproximava de uma folha de papel, ficará guardado numa caverna, como os
manuscritos do Mar Elantra, até que alguém o encontre, caso o mundo -
contrariando meu aparente julgamento - não tenha acabado. Ou venha, de alguma
forma, a ganhar vida de novo.
Uma nuvem ocre me
alcança agora, com forte odor de amônia, trazendo junto um frio que em dois ou
três minutos frustrará qualquer intenção de movimento, seja para escapar da
caverna ou para esconder-me ainda mais no fundo dela. Encolhido em posição
fetal, prendo o quanto posso a respiração até que a nuvem venenosa perca um
pouco a densidade. E recordo, nostálgico, nosso acolhedor planetinha Júpiter em
seus dias mais felizes.
* Marcelo Sguassábia é redator
publicitário. Blogs: WWW.consoantesreticentes.blogspot.com
(Crônicas e Contos) e WWW.letraeme.blogspot.com
(portfólio).
Um meteoro entrou em Júpiter, o imenso planeta gasoso e lhe deixou um buraco muito maior do que a Terra. O gigante nem se deu conta do estrago. A imagem me impressionou muito. Ao me lembrar dela sinto um frio na espinha, imaginando a insignificância do nosso planeta Terra. E sobre seu relato, ponha pesadelo nisso: ser ou não ser, eis a questão.
ResponderExcluir