Controle da peste nada tinha a ver com
a economia
O estudo das várias epidemias de peste bubônica – que se
tornaram, em certos períodos, até mesmo rotineiras – levam-me a uma conclusão
até óbvia, mas à qual poucas pessoas chegaram. À de que, nesses casos, a prosperidade
econômica e o poderio militar pouco contam, caso não haja esse mesmo progresso
no campo das ciências médicas e, principalmente, no da eficaz pesquisa
científica. O motivo é para lá de lógico. Por se tratar (no caso) de doença, o
que se requer, antes e acima de tudo, para que ela possa ser prevenida, ou
tratada, depois que se instale? Sem dúvida, do conhecimento da sua causa. Esse
é o ponto de partida para, na sequência, se tomarem providências eficazes,
objetivas e que não se limitem a meras práticas empíricas, na base de
tentativas e erros, na proteção e cura da população. Isso é válido, e nem seria
necessário enfatizar, para epidemias de quaisquer doenças e não apenas de peste
bubônica. Citei, especificamente, este flagelo, por se tratar do que mais
mortes causou em todo oi mundo e em todos os tempos.
Tome-se como exemplo típico a Inglaterra da chamada Era
Tudor, mais especificamente, dos reinados de Elizabeth I (principalmente) e no
de seu sucessor, Jaime I. Em termos geopolíticos, econômicos e militares, foi a
época de maior prosperidade e projeção do país no cenário mundial. No reinado
desses dois monarcas, o reino inglês emergiu como superpotência global,
beneficiado, entre outras coisas, pela decadência da Espanha, tornando-se, em
pouco tempo, o “império onde o sol jamais se punha”, condição que viria a
perder, somente, após o processo de descolonização da década de 1960, portanto,
da segunda metade do século XX. Seus navios, modernos (para a época) e rápidos,
dominavam os mares. A Inglaterra era o país mais importante no comércio
internacional, trocando mercadores com o mundo todo. Embora houvesse (e ainda haja) injusta distribuição
de riquezas, os cofres do reino estavam super abarrotados de divisas nesse
período.
A par do imenso progresso econômico a Inglaterra vivia
inegável evolução cultural. Foi nessa época, por exemplo, que o país tomou
consciência, pela primeira vez, da importância da própria língua. Até então, o
idioma mais utilizado e valorizado nas escolas era o latim, em detrimento do
inglês. As artes, todas, floresceram, e surgiram escritores notáveis e, o que é
mais importante, escrevendo na língua pátria, o que, anteriormente era bastante
raro. Em suma, esse período foi, sem dúvida alguma, a “era de ouro” da história
da Inglaterra. Foi seu auge do renascimento, com destaque para a Literatura e a
poesia. Porém... foi, também, um dos períodos em que as epidemias de peste
bubônica se sucederam em grande número e tiveram tamanha regularidade a ponto
de serem consideradas rotineiras. Por que?
Porque o progresso econômico, político, cultural e artístico
não foi acompanhado da correspondente evolução científica, sobretudo no campo
da pesquisa médica, que permanecia estagnado, como sempre fora. Por isso
insisto tanto em reiterar que seria impossível se não erradicar, pelo menos
controlar a peste bubônica, fosse em que lugar fosse, sem conhecer, antes, o
que a causava. E os ingleses não conheciam. Aliás, até 1894, antes da descoberta
do médico e bacteriologista suíço Alexander Yersin ninguém conhecia. Na
verdade, sequer desconfiava, Só após a descoberta da bactéria “yersinia pestis”
foi possível desenvolver uma vacina minimamente eficaz para a doença. Só depois
de se saber que esse agente patogênico era transmitido pela pulga que parasitava
ratos é que se pensou seriamente, se não no extermínio total dos roedores (o
que me parece impossível), pelo menos no relativo controle da sua população.
Observe-se que o caso da Inglaterra, embora o mais
emblemático, não foi o único que, a despeito do progresso econômico, cultural e
artístico, as autoridades não conseguiram combater, com a mínima eficácia, a
peste bubônica. A cidade italiana de Florença, berço do Renascimento, terra
natal de extraordinários escritores e consagrados artistas, também enfrentou
situação se não igual, bastante parecida. Conviveu, e justo no período de maior
fastígio, com sucessivas epidemias da doença, que mataram milhares e milhares
de seus cidadãos, muitos deles ilustres pelos seus magníficos feitos artísticos
e intelectuais, freando seu progresso, que poderia ter sido muito maior do que
foi (e que ainda assim causa assombro em quem conhece sua riquíssima história).
Boa leitura.
O Editor.
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Não se fala na peste. Será que foi erradicada do mundo, tal qual a varíola?
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