Absurda periodicidade de epidemias
A peste bubônica foi (e em casos esporádicos, continua
sendo) a doença que mais vezes se manifestou no mundo, desde que o primeiro
Homo Sapiens a contraiu e contaminou sua comunidade. Quando isso se deu?
Ninguém sabe e certamente jamais saberá. Mas, certamente, foi há muitos
milênios! Embora não haja dados estatísticos a respeito – e nem poderia haver,
se considerarmos esse passado remotíssimo – não tenho dúvidas em afirmar que
foi a catástrofe que mais mortes causou, superando todas as guerras,
terremotos, vulcões, tsunamis etc.etc.etc. somados. As epidemias de peste eram
sumamente comuns em quase todo o mundo até o descobrimento de sua verdadeira
causa, a bactéria “Yersinia Pestis”, transmitida por pulgas que parasitam ratos
e que picam pessoas, inoculando-lhes o terrível agente causador. Toda a Europa
(ademais, praticamente todas as regiões do mundo, à exceção da isoladíssima
Oceania), foi afetada, com estonteante regularidade, pelo flagelo.
Um dos países bastante atingidos pela peste bubônica foi a
Inglaterra. Baseados em documentos da remota Idade Média e em relatos de vários
escritores desde então, não é difícil de apurar a periodicidade das epidemias
(posto que não com exatidão, o que nem hoje seria possível). Analisando esses
dados (posto que relativamente escassos) é possível concluir que, em média, a
Inglaterra foi vítima de pelo menos três epidemias por século, isto desde os
anos 900 (século X) da nossa era. Antes... sabe-se lá quantas ocorrências houve!!!
Mas a lógica indica que não foram poucas. Afinal, as condições ideais para o
surgimento e alastramento da peste sempre estiveram presentes. Londres, por
exemplo, era cidade infestada de ratos (com as respectivas pulgas que os parasitavam,
claro).
A situação nesse aspecto agravou-se no século XVII, quando
um “gênio” (o imbecil dos imbecis) determinou o extermínio de cães e de gatos,
justamente os inimigos naturais dos roedores, sob o argumento de que esses
animais eram os transmissores da doença. Claro que nunca foram; Baseados no que
esse maluco chegou a essa bizarra conclusão? Em nada, evidentemente. Com isso,
a população de ratos, que já era imensa, aumentou em progressão geométrica,
favorecida, ainda, por sua absurdamente elevada capacidade reprodutiva.
Calcula-se que, à certa altura, havia uma proporção de vinte roedores por
habitante. Desconfio que era mais, porém... carece-se de provas. Ademais, todas
as condições favoreciam a proliferação desses per si sós prolíficos animais.
Havia lixo por toda a parte, inclusive (ou sobretudo) restos de comida. Em
muitas partes (não sei se em todas. Presumo que sim) esgoto corria a céu
aberto. Higiene era coisa que poucos praticavam e, assim mesmo, raramente e de
forma precária.
Óbvio que tudo isso se aplicava não só à Inglaterra, ou a Londres,
mas a praticamente a todas as partes do mundo. Para complicar, não havia sequer
a mais remota noção do que causava a doença. Não havia nada que sequer
lembrasse, mesmo que de longe, a Medicina que se pratica hoje. Milhares de
charlatães (e até pessoas bem intencionadas) aplicavam “remédios”, a torto e a
direito, para enfermidades de que não conheciam nada, que mais agiam como letais
venenos do que como eventuais medicamentos, minimamente eficazes. Por tudo isso
é que venho insistindo tanto em comentar sobre as várias epidemias de peste bubônica
ao longo do tempo e sobre como seus principais escritores trataram delas. Claro
que não era a única doença contagiosa que havia (posto que fosse a mais letal).
Ela convivia, e disputava vítimas, com o cólera, com a varíola, com a febre
amarela, com a malária etc.etc.etc. É possível que houvesse, por exemplo, uma imensidão
de casos de leptospirose (por que não?), causada pela urina de ratos que, como
enfatizei, abundavam.
Um dos tantos escritores que relataram alguma epidemia de
peste bubônica em Londres e arredores foi Thomas Nashe. Trata-se de uma espécie
de “geniozinho” das letras, contemporâneo de Shakespeare, cuja obra
(relativamente vasta para quem viveu apenas 34 anos) é estranhamente ignorada.
Pelo menos o é no Brasil. Não me consta que algum de seus livros tenha sido
traduzido para o português e publicado por aqui. Oportunamente, e em outro
contexto, tratarei com mais vagar a seu respeito. Por hoje, adianto que Thomas
Nashe nasceu em 1567 e que morreu em 1601. Que foi escritor satírico,
dramaturgo e poeta. E que tratou da doença em uma pequena peça de teatro,
intitulada “Última vontade do verão e testamento”, datada de 1592.
Nela, Thomas Nashe expressou seu medo de contrair a peste
bubônica, que assolava Londres e arredores em toda a década de 1590. Não sei
qual foi a causa da sua morte. Todavia, não ficaria nada surpreso se
descobrisse que foi em decorrência da peste. É bem possível. A peça incluía uma
canção (que se tornou bastante popular na Inglaterra daquele tempo) intitulada “Uma
litania em tempos de praga”. Observe-se que sua especialidade literária era a
sátira. Não surpreende, pois, que risse daquela (e de qualquer outra) desgraça,
como fez na citada “cançoneta”. A escolha que fez, desse tema, só comprova o
quanto as epidemias de peste bubônica eram comuns na Inglaterra daquele tempo
(e, ademais, em todo o mundo e em todos os tempos).
Boa leitura.
O Editor.
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Ignorava a existência desse escritor.
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