Nothing man
* Por
Marcelo Sguassábia
Na verdade, o que
irritava demais era que o sujeito parecia uma caneta muito gasta e quase seca,
de design ultrapassado, tampa mordida e serventia duvidosa até para a própria
mãe, os irmãos e os vizinhos da frente que o ajudaram a criar.
Dava aflição e pena só
de passar o olho no sempre esticado ser humano, mole ali no sofá mais mole
ainda, feito boi na engorda – com a diferença que o quadrúpede, ao contrário
dele, costuma passar a maior parte do tempo de pé. E não é mentira dizer que
bastava terminar o almoço pro elemento já ir tratando de cavar espaço no bucho
pra caber a janta, na adivinhação do que teria à mesa pra se refestelar até que
não houvesse mais vaga disponível para um tremoço ou uma mísera azeitona sem
caroço.
Com essa vida sem
prestança o moço durou pouco sendo moço e logo logo rendeu-se ao definhamento,
pelo uso muito continuado de certas partes do corpo e pelo desuso completo de
outras. Ficou aquele velho que é ancião de tenra idade, acabado antes da hora,
alvo de comentário e exemplo de mau exemplo. Do jornal só lia horóscopo, e nele
se fiava mais que nos profetas do Antigo Testamento, mais do que no
pronunciamento do presidente do Banco Central sobre a taxa de juros e mais até
do que em fofoca de tia viúva – e dessas tinha duas que valiam por dúzias. Ô
velhas mexeriqueiras, que quando apareciam com seus tupperwares lotados de
biscoitos de nata traziam junto sacolas de injúrias e difamações sobre todo ser
vivente da cidade, especialmente a parentada da zona norte. A sorte é que
ambas, Aurora e Lélia, só muito de vez em quando surgiam e logo caíam fora após
alguns jorros caudalosos de infâmia, deixando-o novamente às voltas com os
botões do seu pijama.
“Esse cara aí é
herdeiro de cartório”, diziam alguns à primeira vista, vendo aquele monumento à
preguiça zapeando a tarde toda entre desenhos animados e alternando o trabalho
das mandíbulas entre sacos de balas chita e bolinhos de chuva. E a chuva caía
mansa como ele nas paragens que habitava, tão sem vontade de cair que em sua
moleza o levava a meditar, pra descansar um pouco do estafante esforço de fazer
coisa nenhuma.
* Marcelo Sguassábia é redator
publicitário. Blogs: WWW.consoantesreticentes.blogspot.com
(Crônicas e Contos) e WWW.letraeme.blogspot.com
(portfólio).
Ai que tristeza. Uso poucos músculos, mas a leitura me fez enxergar uma prima que se encontra nesse estado de não meditação, vendo TV e se alimentando apenas de líquidos, deitada, sem ser paralítica, há mais de nove anos.
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