A frase que se esquece
* Por
Ribeiro Couto
Na noite morta o céu resplandece, estrelado.
Em baixo, a confusão negra da casaria.
E eu, contemplando o céu de um veludo azulado,
nem sinto a noite, a noite morta, a noite fria!
Vem à minha memória uma frase esquecida.
Uma frase de há muito... Uma pequena frase...
Dessas que a gente vai deixando pela vida,
ditas a uma mulher que a gente amava, quase,
e que ficou também, como a frase, esquecida.
"Tu viverás em mim como um adeus
distante..."
Ela era feia e desgraçada... Eu tinha pena.
Grave, não aceitei sua boca ofertante
quando ela veio um dia, humilhada e serena, Ela era
feia e desgraçada... Eu tinha pena.
Como se abandonasse em meus braços, chorando,
eu, a passar-lhe a mão pelo rosto molhado,
a boca murcha, o olhar piedoso, o gesto brando,
sentimental como um poeta enamorado,
afastei-a, movendo a cabeça, negando...
Ela bem compreendeu a renúncia e a meiguice.
E porque fosse imensa a dor daquele instante,
querendo consolar a nós dois foi que eu disse:
"Tu viverás em mim como um adeus
distante..."
Olhando agora o céu da noite adormecida,
pus-me a chorar, chorar silenciosamente,
sofrendo a dolorosa ironia da vida,
só porque, sem querer, me despertou na mente
aquela pobre fase esquecida... esquecida...
(O jardim das confidências, 1921).
*
Diplomata, poeta, contista, romancista, magistrado e jornalista, membro da
Academia Brasileira de Letras.
Nenhum comentário:
Postar um comentário