Polêmica em torno da morte de Camus
A morte de Albert Camus, que na época de sua ocorrência, em
4 de janeiro de 1960, causou consternação, mas não despertou nenhuma suspeita
de que a causa não tenha sido a que se noticiou então, tornou-se, 50 anos depois,
foco de acesa polêmica, que ainda se sustenta. O escritor morreu, recorde-se,
em um desastre de automóvel, em uma rodovia da França. Na época, cogitou-se de
tudo – de distração ou imperícia do condutor do veículo, de falha mecânica, de
obstáculo na estrada etc.etc.etc. – mas ninguém suspeitou, sequer remotamente,
que o carro pudesse ter sido sabotado, digamos, propositalmente “preparado”
para quebrar quando trafegava em alta velocidade, sem dar a menor chance ao
motorista de evitar que colidisse violentamente com uma árvore.
Afinal, a morte de Camus foi acidental, como sempre constou,
ou foi causada por uma diabólica trama assassina de quem, eventualmente,
quisesse calá-lo? Foi acidente ou assassinato? Toda a polêmica começou
recentemente, após revelações do escritor e tradutor checo Jan Zambrana,
contidas em seu diário, publicado postumamente em forma de livro. Embora ele
não afirme taxativamente, até por falta de provas, sugere (ou insinua?) a
possibilidade do autor de “A peste” ter sido assassinado. E dá, até o nome, do
possível “assassino”: o então ministro de Relações Exteriores da URSS, Dmitri
Shepilov. Claro, não diz que essa personalidade política tenha “pessoalmente” sabotado
o automóvel para que se acidentasse. Isso seria inverossímil. Teria, isso sim,
sido o “mandante” do crime, supostamente cometido por algum agente da KGB, a
agência secreta soviética, contrafação comunista da CIA.
A pergunta que se impõe é: O ministro teria motivo para
planejar e ordenar a hipotética eliminação de Camus? Aparentemente, sim. O
crime seria em retaliação à implacável e feroz oposição que o jornalista e
escritor francês vinha fazendo aos comunistas soviéticos. Esta postura,
inclusive, deu causa ao rompimento da sua longa amizade com o filósofo
existencialista Jean-Paul Sartre, defensor apaixonado das políticas de Moscou.
Entre outros ataques, Albert Camus publicou candente artigo na revista francesa
“Franc Tireur”, na edição de março de 1957. No texto, responsabilizou,
pessoalmente, Dmitri Shepilov pelo que chamou de “massacre” – a forma como
classificou a repressão das tropas soviéticas ao levante de Budapeste, em 1956.
Como seria de se esperar, o escritor francês despertou, com sua postura
crítica, a inimizade dos stalinistas e de simpatizantes do comunismo mundo
afora.
Não tenho opinião formada nem sobre as denúncias de Camus,
nem sobre as veladas acusações do escritor checo e muito menos sobre a dura
repressão à oposição húngara – embora tenha acompanhado todos esses fatos pela
imprensa. Careço de versão do “outro lado”, do soviético. Recordo que o mundo
vivia na época o auge da “Guerra Fria” e que nem tudo o que um lado dizia do
outro era ponderado, isento, verdadeiro e meramente factual. Longe disso.
Confundia-se, propositalmente, jornalismo com mera propaganda ideológica. Só os
ingênuos e sumamente crédulos acreditavam no que um ou o outro lado diziam
reciprocamente. Camus foi vítima de um
complô homicida, que redundou em sua morte? Pode ser que sim, pode ser que não.
O que me intriga é o fato dessa hipótese não ter sido levantada por ocasião do
mortal acidente. Por que?
Recorro ao livro “Albert Camus – uma vida”, de Olivier Todd
(Editora Record, com tradução de Mônica Stahel), que relatou dessa forma o para
mim (até prova em contrário) acidente automobilístico: “A vinte e quatro
quilômetros de Sens, na Rodovia 5, entre Champigny-sur-Yonne e
Villeneuve-la-Guyard, o Facel-Véga, depois de uma guinada, sai da estrada em
linha reta, se arrebenta contra um plátano, ricocheteia para cima de uma outra
árvore, se desmantela. Michel (Gallimard) sai gravemente ferido (morreu cinco
dias depois), Janine ilesa, Anne também. O cachorro desaparece, Albert Camus
morreu na hora. O relógio do painel é encontrado bloqueado às 13h55. A seus
amigos, Camus dizia com frequência que nada era mais escandaloso do que a morte
de uma criança e nada mais absurdo do que morrer num acidente de automóvel”.
Mas foi como morreu.
E daí, paciente leitor, já decidiu? Qual dessas duas versões
sua intuição sugere que tenha sido a mais plausível, ou a viável ou mesmo, em
última análise, a verdadeira? A de Olivier Todd, de que tenha se tratado de um
acidente automobilístico como tantos outros, causado ou por algum defeito
mecânico (quebra da barra de direção, por exemplo), ou por estouro de pneu, ou
por derrapagem provocada por óleo na pista ou em virtude de um mal súbito do
motorista, ou por outra causa qualquer? Ou a de Jan Zambrana, de que o desastre
tenha sido, na verdade, um assassinato, ordenado pelo ministro soviético de Relações
Exteriores, Dmitri Shepilov? O fato é que ali, em meio às ferragens retorcidas
e fumegantes, estava o corpo sem vida de um dos mais criativos escritores e dos
mais combativos e corajosos jornalistas do século XX. Albert Camus encontra-se sepultado no
cemitério de Lourmarin, na Provença, na bucólica Côte D’Azzur francesa. Mas seu
nome, e sua obra, teimam em permanecer em evidência, pelas inúmeras e inegáveis
virtudes de ambos.
Boa leitura.
O Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
O roteiro ficará mais emocionante caso o carro tenha sido sabotado. É uma alternativa mais palpitante, do mesmo modo que, dizem, o acidente que matou Juscelino Kubitschek foi causado por um tiro dado no motorista do carro do ex-presidente.
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