Importância de Florença nas artes e na
cultura
A pandemia de peste bubônica que assolou a Europa em meados
do século XIV (e, praticamente, todo o mundo conhecido de então) dizimou a
maior parte dos habitantes de praticamente todas as cidades europeias. Muitas
das pequenas localidades praticamente foram riscadas mapa, por falta de
moradores que, ou fugiram enquanto puderam delas ou morreram todos, sem que
restasse, sequer, quem sepultasse os mortos. Não se sabe, frise-se, se a peste
negra atingiu também as Américas, que ainda nem haviam sido “descobertas”, mas
que abrigavam prósperas civilizações. Alguns estudiosos supõem que sim. Outros
tantos apostam que não. Fico com esta corrente. Se nenhum navegador europeu, ou
asiático, aportou na região, certamente seus navios não transportaram para ela
ratos pretos, carregados de pulgas, ambos infectados pelo agente patogênico
causador da doença. Até prova em contrário (caso exista), portanto, pode-se
afirmar, com razoável certeza, que as Américas foram poupadas da pandemia.
Duas das melhores descrições desse letal flagelo têm como
foco o que ocorreu na cidade italiana de Florença. Foram feitas por dois
autores de estilos e de formações diferentes em quase tudo e que só tiveram,
praticamente, em comum o primeiro nome e os relatos da matança causada pela
peste, embora divergissem quanto às cifras de mortos. Refiro-me ao florentino
Giovanni Villani (cuja obra comentei em texto anterior), e a seu ilustre “xará”,
Giovanni Boccaccio, natural da cidadezinha de Certaldo, que, a exemplo de
Florença, situa-se, também, na região da Toscana, e que atualmente conta com
população em torno de 16 mil habitantes. O primeiro foi historiador, autor do
livro “Nova Crônica” (que não concluiu por ter morrido em conseqüência da
peste, e que foi concluído por seu irmão Matteo e seu sobrinho Filippo). Já a
obra do segundo é considerada um clássico da literatura de ficção, que foi,
inclusive, popularizada pelo cinema, com um filme muito conhecido. Refiro-me a “Decamerão”
(que no Brasil recebeu o título de “Príncipe Galleoto”, subtítulo da versão
original no dialeto toscano). Boccaccio é considerado, com razão, o verdadeiro “pai”
do Realismo na Literatura.
Destaco que, para melhor entendimento dos terríveis efeitos
dessa pandemia numa localidade específica, deixando um pouco de lado sua
abrangência mais ampla, ou seja, o restante da Europa, se faz necessária uma
análise em separado, mesmo que superficial, de três “importâncias” distintas.
Ou seja, explicar por que Florença era (e certamente ainda é) tão importante,
não só nesse contexto, mas, sobretudo, nos aspectos tanto artísticos, quanto
culturais. A seguir, é mister que se faça o mesmo em relação a Giovanni
Boccaccio. E, claro, ao fim e ao cabo, tratar de sua obra-prima, o “Decamerão”.
Hoje, meu foco será a capital e maior cidade da região da Toscana. Florença é,
diga-se de passagem, também o nome da província italiana em que ela se situa.
Essa belíssima metrópole da Itália, uma das principais
atrações turísticas do país, conta, atualmente, com uma população de mais de um
milhão de habitantes em sua área metropolitana. Os habitantes de sua zona urbana
beiram os 400 mil. Entre tantas outras coisas, é considerada o berço do
Renascimento italiano. Nela nasceram, entre tantas personalidades, figuras como
o poeta Dante Alighieri (autor da “Divina Comédia”) e Cimabue (o último grande
pintor do país a seguir a tradição bizantina, responsável, entre outras coisas,
por revelar a genialidade de Giotto). Conta com diversas e maravilhosas
catedrais de época. É cenário de obras dos mais célebres artistas do
Renascimento, como Donatello, Botticcelli, Rafael Sanzio e, principalmente,
Leonardo da Vinci e Michelangelo. Ah, e sem esquecer de Giotto.
Florença, que prima pelo bom gosto e elegância, foi, durante
muito tempo, considerada a capital mundial da moda. Foi, também, como destaquei
em texto anterior, a terra natal de nada menos que seis papas. É natural,
portanto, que quando atingida por uma catastrófica epidemia, como a de peste
bubônica, ocorrida em meados do século XIV, haja curiosidade especial sobre
como sua população reagiu à tragédia e quantas pessoas o flagelo dizimou. As
estimativas, feitas pelos dois “Giovannis”, a esse respeito, são extremamente
diferentes. O Villani, historiador, foi moderado ao estimar o número de florentinos
que morreram em decorrência da doença. Citou 50 mil pessoas (cifra que, ainda
assim, considerei exagerada). Já o outro Giovanni, o Boccaccio, o ficcionista, não
se fez de rogado. Dobrou o número de mortos estimado por seu “xará”. Afirmou
que estes foram cem mil. Duvido que chegou a tanto!
Afinal, paciente leitor, quem estava certo? Villani?
Boccaccio? Ou nenhum dos dois? Como saber? Não vejo como. O fato é que os
florentinos tiveram garra e criatividade para, debelada a epidemia na cidade,
trabalharem e fazerem de Florença o que ela é hoje. Ou seja, um dos lugares do
mundo mais dignos de se visitar e, de fato, mais visitados, entre os tantos
pontos turísticos que há por aí. Por isso é importante trazer à baila o que
aconteceu ali, principalmente entre 1348 e 1352, nas visões, em especial, do
historiador Giovanni Villani (como já fiz) e do ficcionista Giovanni Boccacio
(como me proponho a fazer na sequência).
Boa leitura.
O Editor.
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Resultados tão marcantes devem estar relacionados com os genes.
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