A última horta do centro de Blumenau
* Por
Urda Alice Klueger
Disseram-me que ele
morreu com 88 anos – deve fazer, portanto uns 60 ou 70 anos que aquela horta
existe, bem na esquina da Alameda com a Rua Coronel Vidal Ramos, que
antigamente se chamava rua Paraná. Faz duas semanas que ele morreu (abril 2002)
– chamava-se Arno Zendron, e eu o conhecia de vista desde criança. Pertencia a
uma família longeva – é de estranhar que não tenha completado o século, como
outros dos seus irmãos, mas há que se convir que 88 anos também é uma idade
respeitável.
Seu Arno Zendron morou
quase naquela esquina que citei acima por toda a sua vida – disse quase, porque
ele morava um tanto fora da esquina – quem morava na esquina era a sua horta.
Faz uns 30 anos que
comecei a prestar atenção naquela horta. Trinta anos atrás Blumenau crescia,
sumiam as vacas de atrás das casas, novas gentes, novas caras e novos costumes
vinham fazer ninho na nossa cidade. Apareceram os supermercados, com vidros
resplandecentes e espelhos nos seus setores de horti-fruti-granjeiros;
apareceram os frangos congelados e resfriados nos longos balcões de vidro,
apareceu o leite “de pacote”. Paulatinamente, as hortas de Blumenau foram
abandonadas; já não se criavam mais galinhas atrás das casas, venderam-se as
vacas.
O símbolo da
resistência dos tempos antigos, em Blumenau, era a horta do seu Arno Zendron:
no centro da cidade, em área nobre, que ia, aos poucos, sendo rodeado por
edifícios de apartamentos, ela resistia, e tinha de tudo: a cebolinha, a salsa,
as cenouras, a couve-flor, a alface, o aipim. Agora de cabeça não lembro bem
das árvores, mas acho que há algumas bananeiras, um pé de pêssego, ralas
árvores que não deveriam tirar o sol das hortaliças. Galinhas também andavam
por lá; eram poucas, mas de vez em quando as havia, bem como se o tempo não
tivesse passado, bem como se ainda se vivesse nos tempos da colonização, antes
que o mundo tomasse o ímpeto de transformação que acabou tomando. Eu prestava a
maior atenção naquela horta; sabia o tempo todo, o que ela representava, e que
ela era a última.
Faz poucos dias que
soube que o seu Arno Zendron tinha viajado para outras plagas. Fui lá olhar a
horta, então. Ela já está um pouco descuidada, com capim crescendo nos
canteiros, bem como fica uma horta antes do seu último suspiro. Enquanto o seu
Arno esteve doente, ela começou sua despedida. Penso que ninguém irá
ressuscitá-la, que está irremediavelmente condenada à extinção, para dar lugar,
daqui à pouco, a um outro qualquer edifício de apartamentos. Chegou ao fim à
última horta do centro de Blumenau.
É como se tivesse
acabado uma antiga resistência. É muito triste.
Blumenau, 30 de Abril
de 2002.
* Escritora de Blumenau/SC, historiadora e
doutoranda em Geografia pela UFPR, autora de mais três dezenas de livros, entre
os quais os romances “Verde Vale” (dez edições) e “No tempo das tangerinas” (12
edições).
Em uma horta, brota um prédio. Depois chega a enchente.
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