Vida de cachorro
* Por
Clóvis Campêlo
O meu amigo Renato
Rodrigues reclama, com razão, que as ruas do bairro da Boa Viagem estão
infestadas de fezes de cachorro. Nem todos os cachorreiros têm a consciência de
que devem limpar o cocô dos seus animais. E, como se não já bastassem os
esgotos estourados, Boa Viagem é só excrementos.
Embora não crie nenhum
desses bichos, todos os dias costumo passear com Romeu, o cachorro maltês de
Pedro, o meu neto. Já criamos uma rotina que é por ele cumprida com muita
alegria. Afinal, ninguém gosta de viver trancado o dia inteiro dentro de um
apartamento.
Nesses passeios, Romeu
satisfaz as suas necessidades diárias e se desestressa no contato com outros
cães. É impressionante como cada vez mais as pessoas dividem a existência com
esses animais, pequenos ou grandes e nem sempre dóceis. Existe hoje um
verdadeiro comércio que gira em torno dessas criações. Produtos criados
especificamente para o consumo dos cães, e que vão de rações, passam por
biscoitos, roupas e até cervejas e refrigerantes. Também já estão no mercado planos
de saúde e funerários para cães e outros animais, hospitais veterinários e
lojas pet shop cada vez maiores e mais completas. Incrível e impressionante
como o sistema sempre encontra novos guinchos para se expandir e lucrar.
Voltando a Romeu,
porém, nem sempre esses passeios são amistosos e pacíficos. Algumas vezes, por
razões que a própria razão desconhece, os animais se estranham e se agridem.
Foi o que aconteceu no encontro entre Romeu e Jean Pierre, um cão da raça
basset, no calçadão de Boa Viagem, que se engalfinharam numa briga feroz.
Depois da rusga, a jovem senhora proprietária do cãozinho cuja raça é oriunda
da França, o repreendeu com severidade. Não me pareceu, no entanto, que Jean
Pierre tivesse compreendido a bronca, muito mais interessado que estava em
continuar a briga com Romeu. Coisa de cachorros, imagino.
Já noutro dia,
encontro com Paulo e seu cãozinho, John Lennon, esse sim, muito mais amistoso.
Deram-se bem, ele e Romeu. E descubro que Paulo, assim como eu, também é
beatlemaníaco. Estava com uma camiseta que fazia referência aos shows de Paul
McCartney no Recife, em 2012. Como ambos fomos aos shows, conversamos sobre
isso: a excelente qualidade dos músicos que acompanhavam o velho Maca naquela
ocasião; o boa forma do velhinho roqueiro, após três horas de show sob o
intenso calor recifense, com o qual, com certeza, ele não estaria acostumado; a
sua presença de palco e a sua empatia com o público, numa demonstração evidente
de que aquela é realmente é a sua praia. Descubro que Paulo mora na mesma rua
em que eu moro, e percebo que aquela pode ser uma nova amizade que está se
iniciando, alimentada pela paixão pelos Beatles e pelo amor aos nossos
cachorros. Coisa de urbanóides, com certeza.
Em janeiro, eu e o
cachorro vamos nos separar. Meu neto vai morar em João Pessoa e Romeu o
acompanhará. Talvez eu venha a arrumar outro companheiro para os passeios
diários. Gostaria que fosse um cão preto, talvez até um vira-latas. Vou
chamá-lo de Tubarão.
Recife, dezembro 2015
*
Poeta, jornalista e radialista.
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