O que mudar e como?
O papel do escritor, tanto em uma sociedade específica,
quanto em um plano mais amplo, no da humanidade – e isso desde que o homem
inventou a escrita para perpetuar fatos, experiências, conceitos, idéias,
ensinamentos e emoções, entre outras coisas – equivale ao dos mestres, que nos
abrem os olhos e a mente para o conhecimento. Entendo, até, que sua tarefa
sobrepuje a dos professores, sobretudo pela abrangência. Enquanto os docentes
ensinam a um número restrito de pessoas por vez – a classes com 40 alunos, se
tanto – o escritor não tem limites. Não tem como quantificar o número dos que
terão acesso aos seus livros (“ferramentas”, aliás, dos professores) e nem onde
ou quando eles serão lidos e muito menos por quem. Há casos em que suas obras
lhes sobrevivem até por milênios após sua morte e seguem gerando efeitos,
positivos ou negativos de acordo com seu teor.
Raciocinemos. Nenhum ser humano é igual a outro. Pode haver “parecidos”
ou até semelhantes, a igualdade, todavia, é absolutamente impossível. E não
somente no aspecto físico, mas no mental, psicológico, emocional, intelectual e
vai por aí afora. E, principalmente, em decorrência das circunstâncias de cada
um, além de suas respectivas realidades, que nunca são iguais. É como se diz
popularmente: “cada um é cada um”. Daí, a necessidade de comunicação, para
troca de informações, idéias e experiências que enriqueçam mutuamente os que se
comunicam. E o escritor é um comunicador por excelência. E utilizando meio dos
mais complexos para tal: a palavra escrita. O fato das pessoas serem
diferentes, com capacidades físicas e intelectuais heterogêneas, não pressupõe
nenhum domínio de um homem que a natureza fez mais capaz sobre outro de
capacidade menor.
Ser diferente não significa, necessariamente, ser superior
ou inferior. Não é assim, todavia, que a humanidade sempre pensou, agiu e
continua agindo. Em vez do mais forte proteger e amparar o mais fraco, o que
ocorre tempo e mundo afora? É exatamente o contrário do que seria desejável e
bom. É submissão do mais fraco ao mais forte, que o explora, de alguma forma,
sempre que tem oportunidade. Essa é uma das tantas causas (talvez a principal)
de tantas desgraças e tanta violência. Uma das tarefas do escritor (e é assim
que entendo essa atividade) é esclarecer que esse comportamento é aético,
imoral, mesquinho, errado e nocivo. E, principalmente, que a morte iguala a todos
indistintamente, tanto o forte quanto o fraco, tanto o hábil quanto o inábil,
tanto o gênio quanto o néscio e vai por aí afora. Nossa passagem pelo mundo é
tão rápida que pode ser comparada a um velocíssimo lampejo de luz num ambiente
de trevas.
Alguns escritores vão ao extremo de pregar absoluta
igualdade entre desiguais (e aqui não me refiro aos direitos, que devem,
necessariamente, ser iguais). São os idealistas, posto que nada práticos.
Outros, embora por vias transversas, mesmo que não explicitem, “sugerem”
exatamente o oposto. Os primeiros defendem radical mudança do comportamento
humano já. Para os segundos, todavia, as coisas devem continuar como estão, argumentando
(ou dando a entender em seus textos) que esta é “a lei da vida”. Será?! Ambos
estão, pois, em extremos opostos que não raro se tocam.
No meio desses dois grandes grupos, fazendo realista
contraponto, estão os moderados, Ou seja, os que não são utópicos, mas também
não são omissos, por serem práticos. São os que não costumam tirar os pés do
chão, mas que nem por isso se entregam a um frio e covarde desencanto. São os que
acreditam na potencialidade humana, mas que sabem que o processo renovador tem
que começar com alguém e em algum lugar e estão dispostos a serem os pioneiros.
São os que nunca perdem a “esperança”,
mas definem esse conceito de forma correta, como o faz Erich Fromm, em seu
livro “Ter ou Ser?”, quando diz que ela “não é nem uma espera passiva nem um
forçar irreal de circunstâncias que não podem ocorrer. É como o tigre agachado
que só saltará quando chegar o momento de saltar”.
O que está aí todos concordam (embora muitos não admitam),
precisa ser mudado e o mais rápido possível. A questão que se impõe, todavia,
é: “o que construir no seu lugar? Como? Quando?” Que tal começar a mudança que
se faz necessária a partir de agora, mas em bases sólidas e sempre para melhor?
O filósofo Jiddu Krishnamurti, num de seus livros, destaca que “existe apenas
uma revolução fundamental. Não é uma revolução de idéias nem é baseada num
determinado padrão de ação. Ela começa a manifestar-se quando a necessidade de
usar os outros termina. É algo que surge espontaneamente quando começamos a
entender a natureza profunda dos nossos relacionamentos. Essa revolução pode
ser chamada de Amor”. Essa conscientização (segundo entendo) é também tarefa do
escritor, posto que não a única, embora, talvez, a principal. Trata-se de um
processo de longo prazo que, quanto mais puder ser encurtado, melhor e mais
eficaz será.
A ignorância, a prepotência, a cobiça e a exploração do
homem pelo homem são, mais do que nunca, onipresentes, a atestar que, a
despeito do progresso tecnológico, a racionalidade humana não evoluiu um único
milímetro nos últimos dois ou três milênios e, ao contrário, pode até ter
sofrido regressão. A verdadeira revolução, a da “humanização” do homem, ainda
está longe sequer do começo. Por que? Porque tememo-la. Porque não estamos
plenamente conscientes dela. Porque nos atemos a questões menores e
irrelevantes e não nos concentramos nessa premência de mudar o que aí está e
substituir os atuais e há muito falidos paradigmas por outros mais inteligentes
e justos. Impõe-se, pois, a questão formulada por Max Frish: “Quando se tem
mais medo da mudança do que da desgraça, o que é que se faz para evitar a
desgraça?”. Boa pergunta, não é mesmo? Por enquanto, convenhamos, não vem se
fazendo nada.
Boa leitura.
O Editor.
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