Shangri-lá é só aqui
* Por
Marcelo Sguassábia
Que ninguém alegue
ignorância sobre o castigo que espera quem conhece o lado de lá das nossas
montanhas. A ira divina cairá como um raio sobre a cabeça dos desobedientes,
assim que chegarem ao topo das fronteiras do reino. Conhecerão a desgraça de
uma sociedade injusta e defeituosa, onde prevalece a carência em todos os
níveis e onde a alegria é a exceção da regra. Ser curioso, no caso, trará
desastrosas e irreversíveis consequências.
Se por aqui nossos
orgasmos duram doze miseráveis minutos, lá é ainda pior. Dez segundos, quando
muito. Pensem bem: quem é o maluco que vai se dar ao trabalho de se arrumar
para sair, conquistar alguém do sexo oposto, adular a presa durante semanas ou
meses para tudo acabar no tempo que se leva para dar um espirro?
Sabemos que não há
nada de extraordinário em ter 16 narizes. Diria até que, para a maioria de nós,
seria muito difícil imaginar a vida com apenas 15, como é o caso de algumas
crianças com má formação congênita. Que dirá viver com apenas um? Pois esse é o
caso dos povos além-montanhas. O mínimo que se poderia aceitar como razoável
seria uns três narizes no rosto e mais uns dois nos ombros ou nas costas -
jamais um só, na parte da frente do corpo. A coisa é mesmo estranha e
funcionalmente limitada. Além disso, os sovacos tendem a ficar peludos se não
forem raspados, as unhas precisam ser cortadas de vez em quando e há quatro
dentes que nascem apenas para serem extraídos.
Pela enfadonha e
inútil repetição de tarefas, a rotina deles dá pena. Saem de casa toda manhã,
se metem em filas intermináveis de automóveis, passam raiva o dia inteiro, se
estressam, amaldiçoam patrões e governos, entram de tardezinha em outro comboio
de carros para voltar à casa e fazer exatamente as mesmas coisas no dia
seguinte. Tudo isso para conseguir juntar um dinheirinho e passar uma semana
por ano do mesmo jeito que nós passamos a vida toda: deitados à sombra dos
coqueiros, comendo camarão e tomando caipirinha.
Mais ou menos por essa
época, nossos desafortunados vizinhos comemoram o réveillon como se algo,
finalmente, fosse mudar. Esvaziam seus sacos de cólera e frustração à
beira-mar, para enchê-los de novo até a boca nos doze meses seguintes. E assim
sucessivamente, até morrerem em seus pijamas, aos cuidados de desconhecidos e
com incontinência urinária. Sim, porque estranhamente esses humanoides vão
perdendo saúde com a idade, e seus órgãos não se reconstituem como os nossos. O
resultado é que não chegam nem mesmo aos 150 anos, idade em que nós celebramos
o início da adolescência. Agora, me digam: para viver tão pouco e tão mal
assim, vale a pena o trabalho de nascer?
* Marcelo Sguassábia é redator
publicitário. Blogs: WWW.consoantesreticentes.blogspot.com
(Crônicas e Contos) e WWW.letraeme.blogspot.com
(portfólio).
Isso resume de forma soberba a nossa vida amorosa: "quem é o maluco que vai se dar ao trabalho de se arrumar para sair, conquistar alguém do sexo oposto, adular a presa durante semanas ou meses para tudo acabar no tempo que se leva para dar um espirro?". Congratulações.
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