O outro Bilac
* Por
Aurélio de Lyra Tavares
O nome completo de
Bilac, Olavo Braz Martins dos Guimarães Bilac, já formava um perfeito
alexandrino, como que a predestiná-lo a fazer da poesia o seu culto permanente.
O outro grande culto da sua vida foi o da Pátria. Além de príncipe dos Poetas,
ele foi o paladino do Civismo. Menino ainda, nascido num lar todo voltado para
a Guerra do Paraguai, onde se encontrava o seu pai, ele evocaria, mais tarde,
as emoções, de angústia ou de entusiasmo, com que a família comentava as
notícias que vinham do Teatro de Operações, porque lá estava em jogo a sorte do
Exército brasileiro, por isso mesmo, o futuro do Brasil.
Em tudo quanto Bilac
escreveu, recordando a sua infância, vê-se refletido o fervor do patriotismo na
memória dos bons ou maus pressentimentos que lhe assaltavam o espírito de
menino, quando começava a imaginar o que significaria para todo o povo
brasileiro a vitória do Brasil na Guerra do Paraguai. A Nação era o povo, na
idéia que já lhe acudia ao espírito desde cedo. E o Exército era o povo em
armas.
É que a Guerra lhe
trazia mais viva a imagem da Pátria, encarnando nela todos os brasileiros
empenhados na mesma luta, tanto os soldados, na frente de combate, como por
todo o País os que lutavam para apoiá-los, os que vibravam com os seus sucessos
e se amarguravam com os seus sofrimentos. Desde então Bilac aprenderia a ver a
imagem da Pátria retratada na Bandeira Nacional, que é o seu símbolo augusto.
Foi como ele a definiu, bem mais tarde, na letra do Hino à Bandeira, que é da
sua autoria.
Depois da Guerra do
Paraguai, Bilac seguiu o destino que haveria de notabilizá-lo não apenas como
poeta, mas também como admirável orador. Embora procurasse atender ao desejo do
pai, cursando as Faculdades de Medicina e de Direito, cedeu, afinal, ao
imperativo da sua verdadeira vocação, dedicando-se por inteiro a compor as
maravilhosas criações do seu engenho poético. Passou a conviver, na boêmia dos
cafés e nas tertúlias literárias, com as figuras mais representativas do Parnasianismo,
que iria entardecer, na França, com Heredia, o seu grande ídolo da poesia, ao
passo que a vida brasileira mudava de tom, desde as lutas políticas que
resultariam na Abolição e na República, esta proclamada sob forte influência
dos líderes positivistas.
O prestígio do trono,
como a saúde do Imperador, entrava em declínio.
A Guerra viera
fortalecer o espírito cívico do Exército e dar-lhe o adestramento profissional
do campo de batalha, onde o despreparo e a imprevidência podem ser pagos com a
derrota e até com a morte. Depois vieram as comemorações da vitória; voltáramos
vencedores do Paraguai. E se seguiram, retumbantes e glorificadoras, as
comemorações, até à desmobilização. Já era grande, e ainda cresceu mais, o
prestígio dos nossos heróis militares, pelo tributo de gratidão que o povo lhes
prestava.
Não tardou, porém,
que, passada a motivação dos combates e já não vendo os riscos da falta de
preparação militar, o Exército fosse perdendo o entusiasmo pelos seus próprio
problemas de organização, à medida que caía numa espécie do marasmo
profissional, passando a interessar-se, ou ver-se envolvido, pelos problemas
político-partidários que corroíam a disciplina das Forças Armadas. Vieram,
então, pronunciamentos militares, a Revolução Federalista, no Sul do País,
liderada por Júlio de Castilho, a ela somando-se a Revolta da Armada contra o
Governo do Marechal Floriano, do qual foi Bilac um ferrenho adversário, a ponto
de ser preso na Fortaleza da Laje e internado em Minas Gerais.
[...]
A partir de 15 de
novembro de 1906, Hermes passaria a dirigir o Exército com o firme propósito de
reorganizá-lo. Era o Ministro da Guerra do Presidente Afonso Pena e trazia,
como objetivo prioritário, a lei da Conscrição Militar e do Sorteio Militar,
para tornar possível a mobilização de um Exército de cidadãos-soldados,
recrutados em todo o território nacional e em todas as classes sociais. A
Confederação do Tiro Brasileiro, por ele criada em 1907, já começava a
despertar um grande entusiasmo cívico na juventude, contando com o apoio de
eminentes estadistas e de ilustres intelectuais. E isso criaria um clima
favorável para a Lei de 4 de janeiro de 1908, que organizava o Serviço Militar
Obrigatório, dando-lhe um sentido autenticamente democrático.
Era preciso, porém,
passar do texto da Lei para a organização real do Serviço Militar, o que
requeria um grande movimento de opinião, uma campanha cívica de âmbito
nacional, com o respaldo e o prestigio de grandes líderes intelectuais,
políticos e militares, de mãos dadas para a evangelização da mocidade. E foi
nesse momento que se iniciou a cruzada cívica de Olavo Bilac, o já famoso poeta
da Via-Látea, testemunho, na infância, das glórias que o Exército colheu na
Campanha do Paraguai e do quanto mudou de rumo e esmoreceu o seu trabalho de
preparação profissional, depois que a vitória fora conquistada e não havia
ameaça de guerra. Os problemas eram principalmente de política interna, e os
quartéis não se mostravam imunes, como impunha o dever militar, à catequese
partidária e às agitações que vinham de fora, através de alguns líderes do
Exército. As manobras militares vieram reacender, dentro deles, o espírito
profissional, saudado por Bilac.
Ele se empenhava,
desde então, para o ressurgimento profissional do Exército e procurava despertar
na juventude raízes do espírito cívico nacional, agora que estávamos muito
longe daqueles tempos heróicos da Guerra do Paraguai, que Bilac mantinha vivos,
tanto nas suas lembranças, como nos livros e artigos em que exaltava os grandes
valores da Pátria, procurando contribuir, ao longo da vida, para mantê-los
acesos na alma das crianças e no espírito dos jovens brasileiros.
Era como que um outro
Bilac, embora sendo sempre o mesmo cidadão, consagrado como glória maior da
poesia nacional. O renascimento do Exército brasileiro nas Manobras de Santa
Cruz, em 1905, despertara-lhe no espírito o patriotismo que tinha nas veias e
se alimentava na perseverança com que procurava infundi-lo na alma das
crianças. Ele exaltava, ao mesmo tempo, o papel dos escoteiros. E inaugurava no
Brasil, com Coelho Neto, a época da literatura infantil escrevendo para as
escolas vários livros de contos, destinados aos adolescentes, com títulos como
estes: A Pátria, O Recruta, O Bandeirante, Pátria Nova e Poesias infantis. Eram
verdadeiros livros de instrução moral e cívica, certamente menos conhecidos do
que os seus maravilhosos versos, mas nem por isso menos lidos pelos que
lidavam, no Brasil, com os problemas da Educação.
O ardor com que o
aplaudia a juventude era, para Bilac, uma fonte revigoradora da sua crença de
patriota, ao mesmo tempo que o seu estro poético, voltado para a beleza e para
o amor, enchia de encantamentos os salões literários e sociais por todas as cidades
do Brasil.
*
General-de-exército, historiador da engenharia militar e membro da Academia
Brasileira de Letras.
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