O desafio de fazer pensar
“O mais belo triunfo do escritor é fazer pensar os que podem
pensar”. O autor dessa declaração, ao contrário do que se possa pensar, não foi
ninguém envolvido, direta ou indiretamente, com Literatura. Não teria,
portanto, porque afirmar isso em proveito próprio. É certo que foi um artista e
dos mais talentosos e reconhecidos. Mas de outra arte, que nada tem a ver com
letras. Quem disse isso (que para os desavisados pode até soar como mera frase
de efeito, sem qualquer conteúdo especial) foi o pintor francês Ferdinand
Victor Eugene Delacroix, expoente do romantismo na França (e, por extensão, na
Europa), que nasceu em 26 de abril de 1798 e morreu em 13 de agosto de 1863,
aos 65 anos de idade.
Convenhamos, nem todo escritor tem esse talento, ou seja, o
de fazer pensar aquele que pode. E, quem não pode, muito menos. Este nem mesmo
o mais fantástico dos mágicos, algum Merlin magnífico e todo-poderoso, tem esse
poder. Pior é quem pode pensar, mas não pensa. E o que se recusa a fazê-lo, por
inércia, preguiça ou seja lá por qual motivo for. Mas fazê-lo raciocinar é,
justamente, o grande desafio do escritor. E não importa a qual gênero literário
recorra: quer à ficção, quer à poesia, quer ao ensaio ou quer à Filosofia. Há
milhões, provavelmente bilhões, de pessoas assim mundo afora. Poderiam (e
deveriam) contribuir com idéias para a evolução da humanidade, mas não
contribuem.
Perguntaram-me, há já bom tempo, por que escrevo tanto, com
tamanha fúria, obsessão e assiduidade. Bem, para enriquecer é que não é, pois
salvo uma ou outra raríssima exceção, quase ninguém enriquece com Literatura.
Aliás, economicamente, convenhamos, não é das atividades mais rentáveis. Muito
pelo contrário. Então seria por vaidade? É certo que me sinto gratificado
quando algum dos meus textos é elogiado (o que, felizmente, não é raro) e
reconhecido como “bom”. Como “excelente”, então, é a glória (e esse qualificativo,
sim, é sumamente escasso). Mas a Literatura está repleta de armadilhas. Sujeita-nos,
com maior freqüência, ao ridículo, do que à consagração. Quem já passou por
isso, sabe a que estou me referindo. Portanto, por mais vaidoso que eu fosse (e
quem me conhece sabe que não sou), jamais recorreria às letras para colher
louvores. Se o fizesse, viveria frustrado, amargurado e permanentemente triste.
Dedico-me a esta atividade, tão trabalhosa e frustrante e
tão raramente compensadora, justamente para encarar o “desafio” feito (provavelmente
sem a intenção de desafiar) por Delacroix, que li, alhures, há umas três
décadas. Ou seja, o de “fazer pensar os que podem”. E, se possível, os que não
podem. Ou, pelo menos, aqueles que não querem fazê-lo. É pouco? Admito que é. E
aqui cabe o superlativo: é pouquíssimo!!! Considero, porém, caso seja
bem-sucedido, maiúscula vitória. Daí tentar, e tentar, e tentar, sem nunca saber
(o escritor raramente sabe) se consegui ou não atingir meu objetivo. A presunção
de sucesso, no entanto, para mim, já é recompensa suficiente.
Concordo com Monteiro Lobato quando observou que “o escritor
funciona qual antena – e disso vem o valor da literatura. Por meio dela se
fixam aspectos da alma de um povo, ou, pelo menos, instantes da vida desse povo”.
Embora tenha a presunção de criar, o escritor não cria coisa alguma. Apenas “capta”,
e retransmite, aspectos da realidade, que quem pode pensar e, quer fazê-lo,
usufrui. Não tem motivos, pois, para vaidade. Até porque, mesmo que faça
multidões pensarem (o que é improvável), provavelmente um dia será
irremediavelmente esquecido, como milhões e milhões já o foram e milhões e
milhões também o serão, mundo e tempo afora.
E qual a recompensa do escritor por tamanho empenho, por
tanta dedicação, por estafante trabalho para pesquisar, ler, redigir, revisar e
desgastar neurônios e os olhos, e talvez o cérebro todo, nessa inglória labuta
sem fim? A material é que não é (reitero, salvo raríssimas exceções, tão raras
que não vale a pena desejar). A glória? Se vier, será efêmera e passageira,
mera fumaça que se perde no ar. Caso, porém, tenha êxito, e faça multidões
pensarem (e, claro, venha a saber que isso aconteceu), restará a deliciosa
sensação do dever (e não imposto por ninguém, mas por si próprio, atendendo os
reclamos de sua vocação) de dever cumprido. E, sobretudo, isso que a poetisa. Cora
Coralina constatou: “Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que
ensina”. Para mim, isso não tem preço. Vale mais, muito mais, do que fortuna,
glória e até a suposta e tão procurada “imortalidade” da memória.
Boa leitura.
O Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Eu leio porque aprendo, ainda que me lembre muito menos do que gostaria de lembrar.
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