O artista telúrico
* Por
Plinio Palhano
Lula Cardoso Ayres
(1910–1987), filho da aristocracia canavieira pernambucana, um dos mais fortes
representantes da arte do modernismo brasileiro, como criador voltou o seu
olhar para as raízes da gente da terra, elaborando o mote para realizar uma
obra fruto de uma pesquisa minuciosa de tipos da cultura africana, de mestiços,
de indígenas, das manifestações populares do Carnaval, do artesanato dos
bonecos de barro... Esse momento do seu olhar criativo iniciou quando foi
convocado, em 1936, pelo pai, João Cardoso Ayres — homem culto e sensível à vocação
do filho —, para acompanhar a administração de sua propriedade, a usina Cucaú;
mas Lula demonstrou desinteresse para assumir essa tarefa, pedindo apenas ao
pai um “atelierzinho lá num canto” e foi pesquisar nas regiões próximas, com
lápis e papel, a desenhar os traços fisionômicos que encontrava em múltiplas
variedades, inclusive utilizando a fotografia — outra arte que dominava — como
meio de registro. Essa fase, que permaneceu muitos anos e se refletiu sobre os
trabalhos futuros, foi de uma riqueza notável para sua obra.
Mas, antes, nutriu-se
com mestres que lhe forneceram os artifícios do desenho, da pintura e a da
prática dos materiais que evocam a ação do artista. Ainda bem jovem, o primeiro
professor, em 1922, foi o artista alemão nascido em Munique Heinrich Moser
(1886–1947), que era pintor, escultor, arquiteto, decorador, ceramista e
vitralista e que o levou a exercitar todas as técnicas da pintura, inclusive o
vitral. E, no segundo tempo, de 1930 a 1932, morando no Rio de Janeiro — onde
conviveu com Candido Portinari, Procópio Ferreira (que lhe encomendou cenários
teatrais), Ismael Nery, Cícero Dias e artistas que rondavam a vanguarda da
época —, foi Carlos Chambelland (Rio, 1884–1950), que exerceu sobre o aluno uma
disciplina rígida no desenho.
Tendo chegado de Paris
em 1925 e conhecido Maurice Denis e os movimentos de ponta, se influenciou
principalmente pelo cubismo sintético. Demonstrou isso quando, estudando os
bonecos de barro, representou-os, na pintura, no guache, no desenho, a partir
daquelas formas artesanais conhecidas, e as cenas eram todas transfiguradas com
os volumes das técnicas do barro — considerados belos trabalhos de sua obra.
Mas o universo de Lula Cardoso Ayres é amplo e inteiro na concepção e na
realização; mergulhou numa mistura entre o abstrato e o figurativo criando uma
harmonia e identidade própria na técnica que é marco na sua participação em
bienais de São Paulo. Um artista fecundo com uma visão inconfundível.
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Artista plástico e escritor
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