Armadilha
das cidades
* Por Pedro J. Bondaczuk
As primeiras cidades surgiram, conforme alguns
historiadores, há cerca de 9 mil anos e foram erguidas para proteger as pessoas
de saques de bandoleiros nômades, de tribos bárbaras que recorriam à força para
garantir seu sustento e sobrevivência. Devem ter sido lugares agradáveis, onde
todos se conheciam e em geral eram ligados por algum laço de parentesco. Sua
população era pequena e havia um verdadeiro espírito comunitário.
Hoje... Bem, na atualidade, não passam de enormes depósitos
de pessoas, amontoadas umas sobre as outras em enormes caixotes de concreto,
vidro e aço. Barulhentas, poluídas e agitadas, são o protótipo de como não se
viver. Transformaram-se numa selva, sem os atrativos desta.
O fator segurança, que determinou sua própria concepção,
hoje virtualmente inexiste. A solidariedade, que ligava os moradores das
cidades antigas na defesa do patrimônio individual e coletivo, foi substituída
pelo antagonismo, pela desconfiança, pela indiferença e pela ostensiva
hostilidade. Não se trata mais de comunidade, pois pouquíssima coisa, quase
nada, é atualmente comum.
Os aglomerados urbanos transformaram-se em lugares perigosos
e insalubres para se viver. E crescem, incham, expandem-se diariamente,
concentrando cada vez mais pessoas infelizes, solitárias e amargas. Ou
frustradas, neuróticas e desequilibradas.
Dois terços dos 7,3 bilhões de habitantes do Planeta
concentram-se, hoje em dia, em apenas uma centena de megalópolis, disformes
torres de Babel dos tempos modernos que nem mesmo a confusão de línguas
consegue dispersar.
Eça de Queiroz, em seu livro "A Cidade e as
Serras", observou: "Na natureza nunca eu descobriria um contorno feio
ou repetitivo! Nunca duas folhas de hera, que, na verdura ou recorte se
assemelhassem! Na cidade pelo contrário, cada casa repete servilmente a outra
casa, todas as faces reproduzem a mesma indiferença ou a mesma inquietação, as
idéias têm todas o mesmo valor, o mesmo cunho, a mesma forma, como as libras; e
até o que há de mais pessoal e íntimo, a ilusão, é em todos idêntica, e todos a respiram, e todos se perdem nela
como no mesmo nevoeiro...A mesmice: eis o horror da cidade!"
E isso no século XIX, quando nenhuma das metrópoles de
então, Londres, Paris, Nova York ou Xangai, chegava aos seis milhões de
habitantes. O que diria hoje o romancista português se vivesse numa Cidade do
México, que conta com uma das maiores favelas do mundo (com população superior
à da maioria das capitais européias e americanas), que caminha para os 25
milhões de habitantes em sua região metropolitana? Ou em São Paulo, Tóquio ou
Bombaim?
E estou me referindo apenas aos relacionamentos
interpessoais, sem me ater a inúmeras outras desvantagens, como a poluição
atmosférica ou sonora, o problema do que fazer com as toneladas e toneladas de
lixo acumuladas diariamente, ou a necessidade de prover de água e alimentos
milhões de indivíduos etc.
Eça de Queiroz, no citado livro, identifica o que chama
de "sulcos" como o maior dos
inconvenientes das cidades. E explica: "É um perfume muito agudo e
petulante que uma mulher larga ao passar, e se instala no olfato, e estraga
para todo o dia o ar respirável. É um dito que se surpreende num grupo, que revela
um mundo de velhacaria, ou de pedantismo, ou de estupidez, e que nos fica
colado à alma, como um salpico, lembrando a imensidade da lama a atravessar. Ou
então, meu filho, é uma figura intolerável pela pretensão, ou pelo mau gosto,
ou pela impertinência, ou pela relice, ou pela dureza, é que não se pode
sacudir mais a visão repulsiva...Um pavor estes sulcos".
É preciso uma nova confusão de línguas, como a registrada no
relato bíblico, para que os construtores dessas babéis contemporâneas, dessas
selvas de concreto e asfalto, cada vez mais loucas, violentas, enfumaçadas e
barulhentas, se dispersem pelo mundo.
*
Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas
(atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e
do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe,
ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma
nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance
Fatal” (contos), “Cronos & Narciso” (crônicas), “Antologia” – maio de 1991
a maio de 1996. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 49 (edição
comemorativa do 40º aniversário), página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio
de 2001. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 53, página 54. Blog “O
Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk
Alguns dissidentes somem para o interior depois de viverem décadas nas metrópoles.
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