quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

ANGELITO – Sofrimento de amor

* Por Urda Alice Klueger


Com a rapidez assombrosa com que as coisas acontecem na internet, uma amiga me avisou desde a Alemanha: havia um cachorrinho em petição de miséria amarrado há dias num lugar ermo, quase invisível, no bairro Velha Central, deixado lá para morrer de fome. Alguém o vira, o fotografara e colocara a foto na Internet. A foto e a denúncia atravessaram o mar e voltaram até meu computador, e horrorizada com a situação do cachorro, compartilhei as mesmas no meu facebook, mas fiquei a olhar, o coração aos pulos: não podia deixar aquele cachorrinho mais lá. Peguei o carro e fui atrás dele.

Foi assim que ele entrou na minha vida. Levei-o primeiro ao veterinário, que me garantiu a fome total, de muitos e muitos dias – nenhum resíduo de nenhuma comida restara na barriguinha dele. Era um filhotão de aproximadamente dez meses, oito quilos, todo pretinho, carinhoso, uma graça. Não havia para onde levá-lo e então o trouxe para a minha casa onde, teoricamente, ele ficaria morando na cozinha até ser adotado.

Então fui descobrindo coisas sobre ele: não sabia comer, a não ser pão com margarina; não sabia latir, não sabia andar, não sabia cheirar as coisas, não sabia nada. Um dia nascera e fora preso a uma corrente e muito maltratado – o pescoço pelado atestava a força da corrente que o prendera; as perninhas magras, sem musculatura, diziam da sua imobilidade, e solto, cambaleava sobre as mesmas – de uma vez em que tentou levantar a perna para fazer xixi, caiu. Não sabia que existia carinho, e quando passei a entender toda a sua fragilidade e a acarinhá-lo, ficava tão surpreso e emocionado que, juro, ele chorava por dentro.

Se fosse um ser humano, dir-se-ia que era alguém totalmente desumanizado – já que era um cachorro, acho que o termo que o definia é que era inteiramente descachorrizado. Havia que cuidar dele primeiro, dar-lhe carinho, fazê-lo andar aos poucos para criar músculos nas pernas e ensinar-lhe coisa por coisa da vida que, no mínimo, o instinto deveria ter lhe ensinado, mas que os maus tratos impediram.

Além da comida e do carinho, levei-o para curtos e vagarosos passeios, onde ele ia bambeando nas pernas, e eu não estava errada: aquele bichinho nunca andara! As almofadinha sob seus pés eram tão frágeis que se gastaram e ele ficou com os pezinhos em carne viva. Isto é só um dos horrores que aquele bichinho trazia consigo.

Havia que cuidar dos seus pezinhos primeiro, no entanto. E levá-lo a um pet shop para ele conhecer as diversas rações, para ver se gostava de alguma, mas ele não entendia nadinha de rações.

Lá pelo quarto dia acabei lhe dando um nome: Angelito, que para quem não sabe, significa Anjinho, em espanhol. Era um anjinho que viera ao mundo só para sofrer, e eu era seu primeiro elo de contato com a sensibilidade da vida.

Ao todo, ele ficou 13 dias comigo, e mesmo com os pezinhos tão machucados, passou a andar e a correr no piso liso de dentro de casa, e um dia começou a latir e a cheirar tudo, e se fartava de comer a comida que minha vizinha Terezinha lhe mandava – tinha uma declarada predileção pela comida de Terezinha. Abocanhava arroz e macarrão com molho, mas não sabia comer carne, nem osso... Céus, o que tinham feito com aquele bichinho?

Ontem, por diversas razões, ele teve que ir embora. Está lá no hospitalzinho Arca de Noé, à Rua Joinville (Fone 47-3035 3585), aguardando adoção. Sei que lá será muito bem tratado e que irá para um lar com pessoas que o amem, mas como foi terrível deixá-lo ir. Chorei, chorei muito o tempo todo, enquanto o levava, enquanto a Dra. Rose nos atendia, quando o deixei para trás, assim como choro agora, quando penso nele. Ele também chorou, chorou muito quando o tiraram dos meus braços para ir para o canil. Eu ia longe, na rua, e podia ouvir como ele chorava. Haviam se criado profundos laços de amor entre nós.

Eu não posso ficar com ele, mas talvez você possa. É um cachorrinho saudável e amável, que tudo o que quer é amor e um pouquinho de comida. Talvez ele possa ser o seu presente de Natal. Se você pode ficar com ele, não feche o seu coração. Angelito é um sofrido anjinho que precisa do seu amor.

Aqui, vivo este sofrimento de amor, e desejo que Angelito venha a ser muito feliz num lar que decerto existe em algum lugar, neste mundo, para ele.

Felicidades, Angelito. Fico aqui na torcida por ti!

Blumenau, 04 de Dezembro de 2015.

* Escritora de Blumenau/SC, historiadora e doutoranda em Geografia pela UFPR, autora de mais três dezenas de livros, entre os quais os romances “Verde Vale” (dez edições) e “No tempo das tangerinas” (12 edições).


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