“Me
dê um copo d’água, tenho sede, e esta sede pode me matar” (Gilberto Gil)
* Por
Mara Narciso
O relato abaixo vai
nos trazer prejuízos e fuga de capitais, mas o desabafo é imperativo. O norte
de Minas está em brasas devido ao calor habitual próximo dos 40º C em suas
tardes há dois meses e que nos trouxe noites insones. A demanda por água
aumentou, mas não há água. As chuvas regulares sumiram há cinco anos. Os
reservatórios secaram, assim como os rios caudalosos de outrora. As árvores
brotaram no começo da primavera e os brotos foram torrados pelo calor fervente.
Pouco se fala atualmente em lavoura ou gado. Tudo morreu ou foi vendido a
qualquer preço para evitar perdas ainda maiores diante da nossa catástrofe.
Somos vítimas e
culpados. Desmatamos, poluímos, assoreamos, esgotamos nossas reservas,
produzimos gases do efeito estufa (pecuária, fábricas, automóveis). Nosso
cerrado foi arrancado pela raiz e arrastado por tratores. Eram meros troncos
retorcidos de pequizeiros, umbuzeiros, cagaiteiras, mangabeiras, muricizeiros e
outras frutíferas que viraram pó. A vegetação rala foi transformada em ferro
guza (carvão vegetal mais minério de ferro), e com ele as metalúrgicas
produziram aço para a indústria automobilística.
Sem árvore, sem água.
Famílias que, em princípio repudiavam o desmatamento e a produção de carvão
vegetal, acabaram sucumbindo ao vil metal. Abraçaram os fornos crematórios de
árvores. Estão ricas e com propriedades esfaceladas, de pouco valor. E que
possam beber dinheiro. Arrependidas, fazem em vão sua mea culpa.
Surgiu há anos um
movimento em prol dos rios e das águas, Vidas Áridas, que faz um congresso
neste fim-de-semana. Revitalizam e protegem nascentes de rios, com a ajuda de
órgãos governamentais, também visitam escolas e comunidades educando a
população. Não chove e sem isso nada melhora por aqui. Estamos fritos.
As imagens vistas na
internet nos fazem acompanhar, boquiabertos – de boca seca, naturalmente –, a nossa real situação. A cada dia o
apavoramento se amplia pelo acúmulo de más notícias. O gasto maior de água é
das indústrias, lavoura e grandes empresas. O romantismo de “Morte e Vida
Severina” sumiu e a sede nos bate a porta. Estamos conscientes e economizando
água há um ano. Muitos reduziram o consumo “normal” para a metade, colaborando
apavorados, no sentido de autopreservação.
Aqui já não cabem
eufemismos como estiagem acumulada, crise hídrica ou remanejamento na
distribuição de água. Comunidades foram deslocadas pela seca. Crianças
debruçadas sobre pequenos poços sujos estão em nossos quintais. Os flagelados
da seca ainda não chegaram às nossas praças devido à Bolsa Família. Na cidade o
racionamento oficial começou dia 12 de outubro e alguns bairros não estão
recebendo água diariamente. As cisternas e poços artesianos estão em vias de
secar.
A Barragem de
Juramento, de 1982, da qual vem 70% do abastecimento da cidade de Montes Claros
(395 mil habitantes estimados) trabalha com 23% da capacidade e está mais de
dez metros abaixo do nível normal. Dos onze poços artesianos perfurados em suas
imediações, apenas quatro deram água, e um deles já secou. O volume morto está
sendo aspirado a alto custo. O bombeamento de água está sendo feito duas vezes,
na captação e distribuição, com gasto de energia elétrica. Não tem água para
produzi-la, e assim está caríssima.
Estamos vendo cactos
secos, coqueiros e eucaliptos adultos tombando sob o calor. O antes sol em
brasa converteu-se em brasas no restinho das nossas matas. A Lapa Grande está
novamente em chamas. Três aviões sobrevoam a cidade, tentando apagar o
incêndio, como também em busca de mais focos. Os carros-pipa da Copasa -
Companhia de Saneamento de Minas Gerais, largaram os bairros de ponta de rede
onde são imprescindíveis e se deslocaram para ajudar a combater o fogo. Água de
gente beber precisa ser jogada sobre as chamas, pois lá está uma nascente que
nos abastece com 30% da água necessária. A Barragem de Porcos-Pacui secou e a
Captação de Pai-João está operando com 30% da capacidade.
O Rio São Francisco,
do qual diziam ser uma alternativa para carrear água para Montes Claros está
com águas muito baixas, e há lugares com apenas um reles filete em um dos
lados. Secaram Rio Verde, Rio Pardo, Rio Jequitai, Rio Saracura, Lagoa do
Pentáurea, Lagoa da Barra, Lagoa São João (em Capitão Enéas) e muitos outros
córregos e riachos.
O norte de Minas tem
chuvas irregulares há muitas décadas e faz parte do Polígono das Secas e da
Sudene – Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste, mas chovia. A mudança
climática aconteceu às nossas vistas, em consequência da ação do homem. Agora,
sem água e sob forte calor, perecemos.
*Médica endocrinologista, jornalista
profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e
Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a
Hiperatividade”
Que desalento, Mara. Mas vocês não estão sozinhos: o interior de SP está indo para o mesmo caminho, e pelas mesmas e irresponsáveis razões. O que mais temo é se ainda há tempo de fazer alguma coisa. Tenhamos fé.
ResponderExcluir