Europeu também pode
* Por
Urda Alice Klueger
Diante dos atentados
na França, faz dois dias, achei por bem trazer a lume esta crônica antiga. Há
que se considerar que o Estado Islâmico é financiado pelo Capital, via Arábia
Saudita/EUA/OTAN – até a Hilary Clinton já andou censurando tal financiamento.
(Explicação
aos leitores:
Onde
está escrito Espanha, leia França;
Onde
está escrito Iraque e Afeganistão, leia Síria, ou Palestina, etc.;
Onde
está escrito Bush, leia OTAN;
Onde
está escrito Al-Qaeda, leia Estado Islâmico.
O
resto é igualzinho).
Tinha passado dois
dias em Florianópolis, e vim pelo caminho imaginando como iria contar para
vocês, desta vez, sobre uma goiabeira que foi muito importante na minha
infância. Então chego, ligo para minha mãe para dizer que cheguei bem – as mães
sempre querem saber tal coisa – e do alto dos seus 82 anos, ela me diz:
- Tu já viste o que
aconteceu na Espanha? Peguei a notícia no meio, não sei muito bem, mas foi
terrível! Deve sair tudo de novo agora nos noticiários da noite.
É claro que me
aboletei no sofá para ver todos os noticiários. E como ando sentindo muita dor,
porque quebrei um braço faz 40 dias, mas só há 4 que um médico descobriu que o
braço estava quebrado, de imediato senti muita pena daquelas pessoas mortas,
feridas, estraçalhadas, cheias de dor que resultaram do tríplice atentado
madrilenho de hoje. A primeira informação que cada canal de televisão disse
foi: “Atentado atribuído ao E.T.A.”, que é uma organização de uma região
separatista ao norte da Espanha, o País Basco. Só que tem uma coisa: o E.T.A.
até faz uns alguns atentados, mas muito menores, nada a ver com o massacre das
estações de trem ocorridos hoje. Ficava bem ao Primeiro Ministro espanhol, no
entanto, jogar a culpa no E.T.A. – se é um atentado caseiro, não tem nada a ver
com a irresponsabilidade dele, juntando-se a um louco como Bush II para invadir
outros países e massacrar muitas centenas de milhares de pessoas, que acho que
é o que já foi massacrado recentemente na soma das mortes feitas pelos
invasores só no Afeganistão e no Iraque. Rabo entre as pernas, o Ministro Aznar
procurava ficar escondido atrás do E.T.A. – mas antes que a noite se adiantasse
já havia uma associação ligada a Al Qaeda assumindo a responsabilidade, e
dizendo que não tinha nenhuma pena de
ver civis europeus tão bem estraçalhados quanto civis asiáticos. Al Qaeda vocês
se lembram, é a organização do Osama bin Laden, a que derrubou as torres gêmeas
nos Estados Unidos.
Daí imagino que metade
de vocês está querendo comer Osama Bin Laden e a Al Qaeda por uma perna, porque
gente legitimamente branca, ancorada na velha e boa Europa, aquela que gerou a
maioria de nós, sofreu na pele um ATENTADO – meu braço aqui está doendo o
suficiente para eu saber que braços e outras coisas quebradas doem muito –
imaginem gente estraçalhada como explosivos estraçalham, gente que fica sem uma
perna e meia barriga, ou gente que perde meio rosto e meia cabeça, como vi
muito bem como ficam pessoas explodidas numas fotos realistas que estavam
expostas em Porto Alegre, lá no Terceiro Fórum Social Mundial. Isto sem contar
as crianças, pequenas vítimas inocentes da loucura de adultos loucos, com as
barrigas abertas como couve flores vermelhas e outras coisas horripilantes.
E daí uma coisa assim
acontece na velha e boa Europa que nos “descobriu” (A América já estava
“descoberta” há pelo menos 12.000 anos!), e a maior parte do nosso público se
horroriza: como? Na Europa? Lá não pode! Lá é o berço da civilização! – e por
aí vai. Esquecem-se, claro, que há diversas civilizações, e que a da Europa é
apenas uma delas. Mas os europeus podem sair por aí na cola do Louco Bush,
invadindo países que têm petróleo e explodindo gente a granel, sem que a gente
ache que está errado. Não está errado uma ova! Gente explodida na Ásia e gente
explodida na Europa é a mesmíssima coisa. E veja bem quantos países europeus
estão ajudando a explodir gente na Ásia: Inglaterra, Itália, Estônia, Polônia,
Dinamarca, Hungria, uma Espanha com um louco Aznar que decerto agora não sabe
onde enfiar a cara, e até o nosso antepassado Portugal, coisa que nunca nem
quis acreditar direito! Pois é, estão lá os europeus a fazer as barbaridades
sem pensar que elas acabarão vindo parar dentro de casa. Já começou. E decerto
ainda vai piorar. Europeu também pode explodir. Exatamente como asiático
explode. É a mesma coisa.
E o mundo ocidental se
horroriza com o que aconteceu na Europa. Mas por que não se horroriza quando
acontece nos outros continentes?
Blumenau 12 de março
de 2004.
* Escritora de Blumenau/SC, historiadora e
doutoranda em Geografia pela UFPR, autora de mais três dezenas de livros, entre
os quais os romances “Verde Vale” (dez edições) e “No tempo das tangerinas” (12
edições).
Nenhum comentário:
Postar um comentário