De moral e moralismo
“O homem que prega moral é usualmente um hipócrita, a mulher
moralizadora é invariavelmente feia”. Quem escreveu isso foi o escritor inglês,
Oscar Wilde, que acabou pagando preço proibitivo pela ação de “moralistas de
plantão”. Cumpriu pena na prisão de Reading, condenado pela prática de homossexualismo
(que era considerado crime na Inglaterra do seu tempo). Foi humilhado,
espezinhado, vilipendiado e teve que cumprir dois anos de cárcere e trabalhos
forçados. Escreveu, no “xilindró”, longa carta a seu alegado amante, Lorde
Alfred Douglas, responsável por sua condenação, acusando-o de tê-lo arruinado,
que foi transformada no livro “De profundis”.
Mas, cá para nós, inocente ou culpado, Wilde não deixa de
ter lá sua razão. Opinião parecida com a dele era a do jornalista italiano Dino
Segré, que assinava seus textos com o pseudônimo de Pitigrilli, que fez do
moralismo e dos hipócritas que o exercitavam tema recorrente para praticamente
todos os livros que escreveu. A tônica de seus contos, por exemplo, eram
comentários ácidos, posto que humorísticos, utilizando o recurso imbatível para
quem sabe utilizá-lo com perícia (o da ironia), sobre a sociedade e os costumes
não só do seu país e do seu tempo, mas de todos os lugares e tempos.
Não vou botar a mão nessa cumbuca, porquanto meu objetivo
não é o de debater a moral e seus gratuitos “fiscais”. É o de assinalar que
acabo de reler um dos livros de Pitigrilli, lançado no Brasil pela Editora
Vecchi, intitulado “O cinto de castidade”, composto por sete contos, leitura
divertidíssima, tanto pela linguagem empregada pelo autor, quanto pelos conceitos
que emite, com ironia e humor. Além da história que dá título ao volume, há
mais as seguintes: “Um cão infeliz”, “A sua língua e a minha”, “Uma ‘garçoniere’
e o teu coração”, “O centenário”, “Engana-me bem”, “O sereno pessimista” e “Mas
não a tocarei”. É uma obra que recomendo. Se puder encontrá-la, compre-a, caro
leitor. Provavelmente você a encontrará em algum dos tantos sebos espalhados
pelo País.
Pitigrilli, que revelou ter adotado esse pseudônimo porque
gostava de “pôr os pingos nos is” (e punhas de fato), teve sua obra traduzida
para 17 idiomas. Em um período da sua vida, morou em Buenos Aires, onde se
refugiou para escapar de furiosos adversários que queriam acertar contas com
ele. Pudera! Alguns de seus livros são: “Mamíferos de Luxo” (1920), “O Cinto de
Castidade” (1921), “Cocaína” (1921), “Ultraje ao Pudor” (1922), “A Virgem de 18
Quilates” (1924), “O Experimento de Pott” (1929), “Os Vegetarianos do Amor”
(1931), “Loura Dolicocéfala” (1936), “A Maravilhosa Aventura” (1948), “A
Piscina de Siloé” (1948), “O Farmacêutico a Cavalo” (1948), “O Deslize do
Moralista” (1948), “Moisés e o Cavaleiro Levi” (1948), “Nossa Senhora de Miss
Tif” (1974) e “Pitigrilli fala de Pitigrilli” (1949).
Sua temática e, sobretudo, seu estilo irônico influenciaram
inúmeros escritores, na Itália, Argentina e Brasil, entre os quais cito o
humorista Chico Anysio, do qual me confesso fiel admirador. Note-se que o que
Pitigrilli atacava não era a moral em si, mas esse moralismo calhorda e
hipócrita, exercitado, usualmente, por pessoas recalcadas, que viam (e vêem,
pois existem muitos e muitos e muitos nos dias atuais por aí afora) supostas transgressões
que na verdade eles trazem em suas doentias mentes. Pitigrilli afirma, por
exemplo, em determinado trecho do conto que dá título ao livro “Cinto de
castidade”: “Entre moralistas nunca existem divergências, porque eles admitem
incondicionalmente a inútil renúncia, a pureza aviltante, a felicidade tola, a
honestidade ridícula, a criminosa cloroformização dos sentidos”. Ou seja, eles
se entendem e se apóiam. São cúmplices em uma mesma estreiteza mental.
Em outro conto, “O cão infeliz”, Pitigrilli escreve: “O
recurso para as mulheres feias e para as que não são mais belas é a moral, essa
peronospora que onde quer que pouse faz murchar as flores mais louçás. Pela
moral, propinam-se conferências, escrevem-se livros, consumam-se delitos,
fazem-se os jovens contrai vícios secretos, inventam-se mentiras,
multiplicam-se preconceitos, desnaturam-se instintos, criam-se honrarias,
fundam-se círculos com distintivos para os sócios, de usar na lapela, como se
para distinguir as conservadoras da moral não bastassem os distintivos e traços
que elas trazem fatalmente impressos na casa”.
Para encerrar, cito outro escritor inglês – este o detentor do
recorde de venda de livros em todos os tempos, com exceção da Bíblia – Charles Dickens,
que em sua obra denunciou as deletérias conseqüências do moralismo calhorda
imperante em seu país e no seu tempo, o do “faça o que falo, não faça o que
faço”: “O moralista é como um sinal de trânsito que indica para onde se pode ir
para uma cidade, mas não vai”.
Boa leitura
O Editor.
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Bem explicado. O moralista não muda nada. Apenas persegue pessoas. Sem falar do "moralista sem moral", como mencionou em discurso recente Dilma Rousseff. Esse precisa ficar calado.
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