Complexidade
humana
* Por Pedro J.
Bondaczuk
O homem é um ser dotado de uma
insaciável curiosidade, que é a "mãe" da sua sabedoria. Procura
conhecer de tudo, quer esse conhecimento o conduza a uma evolução, quer lhe
traga riscos de sofrer retrocessos ou até mesmo o leve à autodestruição (como
são os casos dos segredos do átomo e da estrutura genética, capazes de fazer a
espécie humana desaparecer do universo se utilizadas de forma inadequada).
O conhecimento de que mais o indivíduo
necessita, no entanto, que é o de si próprio --- das suas potencialidades e
fragilidades, dos "demônios" que cria na mente ou que adquire no
convívio social --- é relegado a um segundo plano. As pessoas relutam em
assumir essa tarefa --- e a maioria não a assume jamais e sequer chega a tentar
---, possivelmente temerosas do que possam vir a descobrir.
Ninguém pode afirmar com segurança que
conhece profundamente (ou mesmo superficialmente) alguém, por mais que conviva
com ele. Cônjuges que coabitam muitas vezes por quarenta, cinqüenta, sessenta
anos ou mais, amiúde se surpreendem com aspectos da personalidade do parceiro
com os quais jamais atinaram. Concluem que na verdade se desconhecem. São como
que dois mundos hermeticamente fechados,
estranhos.
Nem os pais conhecem bem seus filhos, o
que sequer é de se estranhar, já que também não se avaliam de maneira isenta,
objetiva, realística. Em suma, não se conhecem. Gosto de ler opiniões a meu
respeito, embora por uma questão de vaidade, prefira as positivas.
Contudo, as mais úteis são as feitas
por meus adversários, pelos que não gostam de mim e só enxergam minhas
fraquezas (tantas!), defeitos (ostensivos) e vulnerabilidades (que não revelo
para ninguém). A rigor, não sou tão importante assim para que outros opinem a
meu respeito.
No meu modo de entender, nenhuma dessas
avaliações, de amigos ou de inimigos, sequer chegou perto da imagem que eu faço
de mim. Os primeiros superestimam minhas eventuais qualidades, o que não deixa
de ser uma satisfação para o ego. Mas trazem o risco de me tirar da realidade e
acabam sendo causas indiretas de imensas frustrações.
Para os segundos, sou a verdadeira
imagem do mal (nossa!), como erva daninha que tenha que ser extirpada (que
exagero!). Se tirarmos os excessos existentes nessas opiniões (muitos) e
pinçarmos defeito por defeito dos apontados, teremos diante de nós um excelente
parâmetro para que possamos nos tornar melhores. Os inimigos, portanto, são
mais úteis do que os amigos para que possamos estabelecer uma imagem nossa mais
próxima da real.
Até o aspecto físico que julgamos ter
não condiz com a realidade. Não nos enxergamos por inteiro. Não contamos com
visão holográfica. Não vemos, por exemplo, nossas costas, o que nos torna
incapazes de avaliar a nossa postura. Mesmo vista no espelho, a "retaguarda"
não aparece como de fato é.
A visão de conjunto fica comprometida.
O parâmetro que os outros adotam para nos julgar (e que nós usamos para o
julgamento de terceiros) é o dos atos, das palavras e das expressões. E dos
preconceitos, confesse-se. Consegue-se, com material tão precário, não mais do
que pálidos e distorcidos reflexos da imagem real.
Pitigrilli traçou um perfil humano
genérico, não de alguém específico, mas do tipo médio, no qual a maioria se
enquadra. Escreveu, no livro "Lições de Amor": "O homem não é
nem anjo, nem fera, ou é ambas as coisas em proporções desiguais. A
beneficência, a moral, a caridade não podem fabricar homens e mulheres ideais.
Devem servir-se daqueles que encontram".
A dúvida que me fica é: será que as
pessoas cuja imagem envolvemos em uma aura de santidade eram ou são
verdadeiramente santas? Ou as que julgamos sábias, teriam, de fato, tanta
sabedoria? Ou, do lado oposto, será que os monstros humanos foram mesmo tão
maus como pintados? Provavelmente há exageros, para o bem ou para o mal, para
melhor ou para pior, em todas essas avaliações. Nossos julgamentos, por mais
que tentemos, nunca se vêem totalmente expurgados de preconceitos, ou seja, de
conceitos previamente fabricados.
E a avaliação histórica, está correta?
São exatas as previsões feitas sobre o futuro? O passado foi registrado com
exatidão? A humanidade seria, mesmo, tão sanguinária, doentia, egoísta e
corrupta quanto os meios de comunicação procuram pintar? Ou como os
historiadores dizem que foi? Ou como os estudiosos do comportamento garantem
que é? Talvez não! Ou talvez seja até pior, não se sabe com certeza.
O italiano Paolo Rossi, no livro
"Os Sinais do Tempo", observou: "Por muitos séculos, o homem
concebera-se no centro de um universo limitado no espaço e no tempo e criado em
seu benefício". Hoje, sabemos (ou pelo menos as pessoas cultas e
instruídas sabem) que não é assim.
E o escritor prossegue:
"Imaginara-se habitante, desde a Criação, de uma Terra imutável no tempo.
Construíra-se uma história de poucos milhares de anos que identificava a
humanidade e a civilização às nações do Oriente Próximo e, depois, à Grécia e
Roma. Pensara-se diferente, em essência, dos animais; senhor do mundo e dono de
seus próprios pensamentos. Em breve, no novo século, ele terá de defrontar-se
com a destruição de todas essas certezas, com uma diversa, menos narcisista mas
decerto mais dramática, imagem do homem".
Será a real? Terá, pelo menos, a mais
leve das proximidades com a verdade? Ou a subjetividade e o preconceito
continuarão determinando os julgamentos? Vai depender de cada um de nós. Ou
talvez nem dependa...
*
Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas
(atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e
do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe,
ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma
nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance
Fatal” (contos), “Cronos & Narciso” (crônicas), “Antologia” – maio de 1991
a maio de 1996. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 49 (edição comemorativa
do 40º aniversário), página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio de 2001.
Publicações da Academia Campinense de Letras nº 53, página 54. Blog “O
Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk
A História contada e registrada não deve ser como de fato aconteceu.
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