Cínicos e oportunistas
* Por Pedro J.
Bondaczuk
Os dois tipos de pessoas que mais
abomino e que me causam maior irritação são os cínicos e os oportunistas.
Ambos, em boa parte dos casos, são preparados, esclarecidos e, portanto aptos a
dar grandes contribuições à humanidade. Mas não dão. São omissos. Adoram a si
próprios, como se fossem “divindades”, e não têm o menor escrúpulo em passar
por cima de quem quer que seja, se isso for necessário para os seus propósitos.
São chacais que se alimentam da vulnerabilidade alheia.
O tema me foi sugerido pela leitura do
livro “A Estrada Sinuosa”, de Morris West, em que o escritor australiano se põe
na pele de um jornalista e faz lúcidas observações a propósito, com as quais
concordo plenamente, e que me proponho a analisar. Chamou-me a atenção, em
especial, sua crítica (até que serena e ponderada) ao comportamento vicioso de
determinados profissionais de imprensa, que conspurcam a profissão que abracei
há já várias décadas, com o seu oportunismo calhorda.
Aliás, há tempos devo um testemunho a
esse campeão de vendas no mundo todo e que, no entanto, sempre foi ignorado
pelos críticos literários e considerado (injustamente) como um “escritor
menor”. Como se o fato de esgotar edições e mais edições dos 26 romances que
nos legou fosse um delito que o diminuísse, em vez de o engrandecer.
Morris West nasceu em Santa Kilda , no Estado
australiano de Victoria, em 26 de abril de 1916. Foi, durante muitos anos,
professor, mas em certa época da sua vida, sentiu vocação para a vida
religiosa. Passou doze anos em um mosteiro, mas não chegou a se ordenar padre.
Embora sem perder a fé, nunca concordou com certas práticas dos sacerdotes
católicos, notadamente, com o celibato, que considerava inútil e desnecessário.
Passou a dedicar-se à literatura e não tardou
para que esgotasse edição após edição dos seus romances. Tenho todos
(absolutamente todos) os livros de Morris West, que li e reli (alguns, até
cinco vezes) e anotei observações pertinentes e sábias, que raramente encontrei
em obras de outros escritores. Como o público leitor não é tão tolo, como
muitos julgam, transformou-se num campeão de vendas, em autêntica mina de ouro
para os editores. Daí o meu pasmo com tratamento que os críticos literários
sempre lhe deram. Tenho lá minhas dúvidas se eles sequer leram, de fato, o que
esse talentosíssimo escritor escreveu.
Morris West teve morte “gloriosa” (que
sonho ter igual). Ou seja, foi fulminado por um ataque cardíaco enquanto
escrevia um dos capítulos da novela “The last confession”, que, claro, não chegou
a concluir, baseada na vida de Giordano Bruno, vítima da Inquisição, que o
condenou à morte por considerar suas lúcidas idéias como sendo heréticas.
Morreu fazendo o que mais gostava.
Sobre o tema destas considerações, o
escritor australiano escreveu: “Todas as profissões têm os seus cínicos e os
seus oportunistas. Existem grandes cirurgiões com o poder de curar as mais
graves doenças e que, apesar disso, preferem ganhar fortunas ao fazer operações
plásticas em estrelas de Hollywood ou velhas ricas que estão sempre dispostas a
tudo para recuperar algo da juventude perdida”.
Não se restringe, porém, aos
profissionais da Medicina. Prossegue: “Há juízes que falseiam a justiça, padres
que pervertem a Igreja”. E não há? Vemos isso, amiúde, por aí e não raro temos
que nos calar, para não arranjarmos confusão. Oh, cínicos e oportunistas, que
mal vocês fazem à sociedade e, sobretudo, à humanidade!
Mas o trecho, para mim, mais
importante, é o que se refere à minha profissão. Morris West escreve: “Existem,
infelizmente, muitos jornalistas que deturpam as suas verdadeiras funções por
causa da política e do aumento da circulação do jornal”. Contudo, o escritor
australiano é justo em suas ponderações. Fornece um álibi aos que “vendem” seu
talento aos poderosos.
Pondera: “A maioria deles (jornalistas),
porém, ainda acredita que a sua missão é apenas comunicar a verdade. Esses
jornalistas não são os donos dos meios de informação e vêem-se obrigados a
recorrer a estratagemas para conseguirem publicar a verdade. Não o podem fazer,
por vezes, mas acreditam firmemente no direito de o público ser posto a par de
toda a verdade. Acreditam... que a verdade tem a sua própria virtude, como uma
seiva própria, e que matá-la é destruir uma fonte de vida e de progresso”. E
não é o que os bons jornalistas acreditam? Claro que sim!
Morris West arremata suas lúcidas
considerações com esta basilar constatação: “A tirania floresce na escuridão e
a corrupção alimenta-se a portas fechadas. Se uma criança morre tuberculosa,
... a culpa é atribuída sempre ao fato de a verdade haver sido escondida ou de
não ter sido revelada a tempo”.
Parodiando Cícero, nas célebres
“Catilinárias”, só posso exclamar, farto dos sacanas e dos omissos: “Quo usque
tandem abutere”, ó cínicos e oportunistas, “patientia nostra”? “Até quando
vocês abusarão da nossa paciência”?!
*
Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas
(atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e
do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe,
ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma
nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance
Fatal” (contos), “Cronos & Narciso” (crônicas), “Antologia” – maio de 1991
a maio de 1996. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 49 (edição
comemorativa do 40º aniversário), página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio
de 2001. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 53, página 54. Blog “O
Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk
O cirurgião plástico é cínico e oportunista por usar a ciência em prol de melhorar a aparência das pessoas?
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