segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Imagem e semelhança


* Por Daniel Santos


Mãos postas, olhar pio, a carola tinha expressão seráfica na igreja onde pedia por si e pelos seus, embora sem esperanças de um aceno sequer da divindade nem mesmo de um discreto sorriso de condescendência.

Sentia-se, por isso, solitária, diminuta, diante do Deus impassível e monumental, pronto a fulminá-la ao menor deslize. Amargava, assim, certo desamparo durante as orações, uma inconsolável sensação de distância.

Às tantas, olhou ao redor, a ver se reconhecia alguém que a pudesse confortar. Ninguém. Ou melhor, apesar de estranha, uma criaturinha peluda com patas de bode acenou-lhe por trás da pilastra do templo.

Não era belo, o coisa. Mas sorria, mostrava-se receptivo e, com cabriolagens tão irreverentes quanto graciosas, pedia conivência. A carola benzeu-se, sorriu em resposta e rogou-lhe atendimento a seus pedidos.

Saíram à rua e meteram-se num beco, onde arriaram oferendas. Ao sair de lá, a mulher parecia grata, confiante. Voltou, enfim, a casa em paz com Deus. Mais ainda, com suas prementes necessidades humanas.

* Jornalista carioca. Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da "Folha de São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo". Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para obras em fase de conclusão, em 2001.

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