CARTAS
QUE NÃO SE REPETIRÃO JAMAIS Nº 6 – DE URDA ALICE KLUEGER PARA JORGE AMADO E
ZÉLIA GATTAI
Blumenau, 08 de abril de 1995.
Meus queridíssimos:
Esperando encontrá-los
bem nessa Bahia tão doce, nessa Bahia que é o meu sonho e o meu projeto de
vida, tento matar as saudades.
Segue anexo um convite
para um sarau literário que vai acontecer aqui no dia 21.04, só para que tomem
conhecimento do quanto agitamos aqui pelo sul. Esse sarau faz parte de uma
série e eles têm sido muito bons. Faz duas semanas e tivemos o sarau em
homenagem a Castro Alves. Foi lindíssimo! A anfitriã foi minha amiga e poeta
Rosane Magaly Martins, e ele aconteceu na churrasqueira do condomínio onde ela mora. Nosso pessoal de
teatro transformou a churrasqueira no Navio Negreiro, e o sarau aconteceu
DENTRO do Navio Negreiro. Fazia tempo que eu não via coisa tão bonita! Além da
exposição da biografia de Castro Alves e de uma palestra sobre o Romantismo,
tivemos a declamação de versos do grande baiano, culminando com a declamação do
Navio Negreiro por excelente declamador pernambucano que é professor na nossa
universidade, daqueles declamadores que tiram lágrimas até de pedra, e não houve
quem ficasse indiferente ao seu fascínio. Para encerrar, tivemos performances
sobre Castro Alves, apresentadas pelos nossos meninos do teatro, performances
de tal realismo que botaram a chorar as criancinhas que lá estavam com os seus
pais. É bom esclarecer que tudo foi regado a muita cerveja e cuba-libre, as
pessoas se soltando desde a tarde, num clima de muita fraternidade e
descontração. Curtíamos, ainda, as emoções do sarau, quando faltou luz, houve
um blecaute total no bairro, e alguém se lembrou de espiar para fora do nosso
navio e descobriu as estrelas. Elas estavam lá, magníficas, enormes,
cintilantes, e uma delas deveria ser o nosso poeta que morrera aos 24 anos.
Alguém começou a cantar em surdina, todos foram atrás, e nosso sarau se esticou
pela noite, foi até a madrugada, nós, debaixo das estrelas, cantando para
Castro Alves. Fazia frio; retiramos pedaços de pano do cenário para nos
agasalharmos e fazermos frente ao frio, e só abandonamos as estrelas quando
ficou tarde e frio demais. Foi lindo!
Agora, conforme o
convite que segue, teremos o sarau sobre Jorge Amado. Temos muitas surpresas
para quem vier, e vou lhes contar algumas.
O sarau vai acontecer
em recinto grande, num clube, pois está ficando muito popular para caber todo o
mundo numa casa. É um lugar bonito, enorme churrasqueira rodeada de figueiras
centenárias, onde vivem, soltos e livres, um bando de macaquinhos. Os
personagens serão recepcionados por dois personagens de Jorge Amado, vamos
fazer a prostituta e o malandro da beira do cais, de novo gente do nosso
teatro, Nega e Marcelo, e deu o maior trabalho achar os dois mulatos nesta
terra de gente branca. Eles recepcionarão os convidados com cravinho, a bebida
do Pelourinho que, depois de muito trabalho, reproduzimos aqui. Haverá uma
decoração de Orixás, tirados do cenário de uma peça que os nossos meninos estão
apresentando aqui, e outras coisitas mais.
Haverá uma pauta, que
por enquanto está assim:
- Biografia de Jorge
Amado, muito sucinta, pois é grande a pauta, apresentada por Pepe Sedrez, do
teatro;
- Breve apreciação da
obra do autor, que vou me atrever a fazer, dentro da minha ótica e da minha
ternura. Vai ter que ser muito breve mesmo, são trinta e tantos livros para
comentar, mal vai dar para falar um pouquinho de cada um para não entediar o
povo;
- Tânia Rodrigues,
poeta, a moça que estava comigo quando os conheci em Salvador, vai contar suas
impressões do que nós vivemos quando os conhecemos;
- Edltraud Zimmermann
Fonseca, escritora, vai falar sobre a vida política de Jorge Amado com Zélia
Gattai;
- Meu sobrinho Victor
Henrique, fã incondicional de Navegação de Cabotagem, contará alguns episódios
do livro, para transmitir o quanto há de humano e pícaro no homem Jorge Amado.
Daí será tempo de o
pessoal de teatro apresentar suas performances, que ainda não sei como será[1],
mas que, tenho certeza, vai mexer com todo o mundo. Conheço o valor e a
criatividade dessa meninada que se dedica ao teatro desde que desmamou, conheço
sua excelência.
A programação é
extensa, quando terminar já deveremos estar quase bêbados, e ainda haverá tempo
para o ficarmos de vez. Deveremos filmar o evento – gostariam de receber uma
cópia da fita?[2]
Meus queridíssimos,
espero não estar sendo inconveniente ao lhes escrever tudo isso. Nossos saraus
são ótimos, altíssimo astral, e a gente aprende uma porção neles.
Hoje, olhando para a
foto de D. Zélia em Chão de Meninos, bateu-me uma saudade grande e achei que
devia lhes escrever, contar o que andamos agitando aqui a respeito de vocês.
Sem dúvida, o povo brasileiro os ama, e eu, mais que todos.
Com muito carinho,
Urda.
(Carta digitalizada em
30 de setembro de 2015, por Urda Alice Klueger, e-mail
urdaaliceklueger@gmail.com)
[1] Nota posterior,
acrescentada quando da digitalização da carta acima: foi apresentada a peça
Capitães de Areia, baseada no livro do mesmo nome.
[2] Existem duas
cópias dessa fita: uma comigo, e outra na Fundação Casa de Jorge Amado, em
Salvador/BA.
* Escritora de Blumenau/SC, historiadora e
doutoranda em Geografia pela UFPR, autora de mais três dezenas de livros, entre
os quais os romances “Verde Vale” (dez edições) e “No tempo das tangerinas” (12
edições).
Tão bom poder mostrar admiração literária quando o objeto do nosso amor está vivo. Parabéns, Urda.
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