Ambrose Bierce: genial ou bestial?
O leitor é capaz de identificar o autor das seguintes (e
exóticas) definições?: “Hipócrita: indivíduo que, ao professar virtudes que não
respeita, assegura as vantagens de parecer ser aquilo que despreza (...) Paciência:
uma forma menor de desespero, mascarada de virtude (...) A política é a
condução dos negócios públicos para proveito dos particulares (...) Ladrão:
nome vulgar para um indivíduo com sucesso em obter a propriedade dos outros (...)
Cínico: um malandro cuja visão deficiente lhe apresenta as coisas como elas
são, não como deviam ser (...) Ignorante: uma pessoa que desconhece certas
coisas que nos são familiares, conhecendo outras coisas das quais nunca ouvimos
falar (...) Responsabilidade: um fardo descartável e facilmente transferido
para os ombros de Deus, do Destino, da Sina, da Sorte, ou do nosso vizinho. Nos
tempos da astrologia, era comum descarregá-lo para cima de uma estrela (...) Um
santo é um pecador morto, revisto e corrigido”.
Quem escreveu isso, e muito mais, foi o jornalista, escritor
e aventureiro norte-americano (não necessariamente nessa ordem), Ambrose
Bierce, que há 102 anos desapareceu no México, sem que jamais ninguém soubesse o
que lhe aconteceu e nem quando e como morreu. Só se sabe com certeza que num
belo dia esse indivíduo largou, sem essa ou mais aquela, tudo o que fazia – emprego,
família, amigos (raríssimos) – e, simplesmente... desapareceu, sem que até hoje
se achasse o menor vestígio sobre o que resultou o que seus biógrafos
classificam como “aventura mexicana”. Para alguns, ele teria morrido em fins de
1913 ou início de 1914. Teria sido executado por seguidores de Pancho Villa, a
cujo grupo supõe-se que tenha se juntado. Recorde-se que aquela era uma época
em que o México estava em plena ebulição, no auge de sua prolongada revolução.
Todavia, os mexicanos, seguidores desse caudilho, negam que
Ambrose Bierce tenha sido morto por eles. Ademais, seu corpo jamais foi
encontrado em lugar algum. O escritor “maluco de pedra” simplesmente
desapareceu, evaporou-se, desmanchou-se no ar, tão a gosto dos temas que tanto
explorou em seus contos. Explico. Ambrose Bierce é considerado, hoje, um dos
mestres da literatura de horror norte-americana, comparável, por exemplo, ao
criador do gênero, Edgar Alan Poe, e ao escritor que o revolucionou, H. P.
Lovecraft. Há quem diga que ele superou a ambos. É questão de opinião. Eu não
diria tanto. Para uns, foi genial. Já para outros, foi bestial.
As definições com que abri estes comentários constam de seu
livro mais conhecido, “Dicionário do Diabo”. São para lá de conhecidas, tanto
nos Estados Unidos quanto na Inglaterra, citadas amiúde, nos mais variados
contextos, quer por jornalistas, quer por escritores e quer pelo povão das
ruas. No Brasil, poucos já ouviram falar desse sujeito no mínimo excêntrico,
que, reitero, para uns foi gênio e, para outros, doido varrido, digno de uma
camisa-de-força. Até não faz muito, eu não conhecia praticamente nada desse
personagem, a não ser uma ou outra citação do seu livro “Dicionário do Diabo”.
Há alguns dias, porém, assisti a um documentário a seu
respeito no canal de televisão a cabo, “History”, e fiquei estupefato com seu
teor. Achei que a referida matéria era exagerada, que, mesmo em nosso mundo
maluco (que suponho ser o único, habitado, enquanto não se descobre nenhum
outro), não é possível ter existido alguém tão excêntrico e tão, digamos,
esquisito quanto Ambrose Bierce. Como se tratava de um escritor, e como tenho
obsessão por tudo o que se refira, de uma forma ou de outra, à Literatura, saí
à caça de mais informações sobre ele. E as referências que encontrei fazem com
que o documentário do “History” seja, no mínimo, sóbrio e, principalmente, verossímil.
Entre as referências sobre Ambrose Bierce que encontrei,
está o livro “Visões da noite”, da jornalista, escritora e tradutora Heloísa
Seixas, lançado em 1999 pela Editora Record, cuja introdução a autora
disponibilizou em seu site na internet. E logo no primeiro parágrafo, fica
claro o perfil que satisfaz plenamente a forma como ela o caracterizou: “Personagem
de si mesmo”. Isso mesmo, foi um indivíduo sobretudo narcisista, que adorava,
como poucos, o próprio umbigo.
Heloísa escreve: “Ele era louro, alto, bonitão e as mulheres
consideravam-no irresistível. Dizem até que tinha sido tão bem-dotado pela
natureza que jamais se desnudava diante de uma mulher para não assustá-la. Era
agnóstico, ateu, herege, ou como você queira chamar aqueles que descrêem de
tudo. Sarcástico ao extremo, dedicou boa parte da vida a cultivar inimizades
graças a sua atividade de jornalista, profissão que exercia despejando veneno a
granel. Era um crítico feroz, inteligente e incansável — e por isso
intensamente odiado por muitos. ‘Minha independência é meu patrimônio. É minha
literatura’, dizia. ‘Escrevo para agradar a mim mesmo, não importando quem saia
ferido’”.
Por este ínfimo “aperitivo” creio que até o leitor mais
distraído e indiferente fica curioso para conhecer mais detalhes da vida e da
obra desse “maluco beleza”, tal qual era o nosso Raul Seixas, posto que feroz e
agressivo, ao contrário do nosso saudoso cantor. É sobre Ambrose Bierce que me
proponho a tecer, nos próximos dias, alguns comentários, acompanhados (óbvio)
de algumas informações “básicas” que a maioria ignora. Ah, para os que esperam
de mim alguma sugestão de leitura, informo que a Eucléia Editora (que suponho
ser de Portugal), lançou, em 2010, a compilação e tradução integral desse
escritor, comparado por muitos a Edgar Alan Poe e H. P. Lovecraft, intitulada “Os
contos completos de Ambrose Bierce”.
Boa leitura.
O Editor.
Acompanhe o Editor: @bondaczuk
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