domingo, 11 de outubro de 2015

Acho que é culpa do shampoo


* Por Fábio de Lima


Quem já dirigiu em São Paulo sabe exatamente a complexidade do que vou contar. Quem nunca dirigiu – pelo amor de Deus – nunca dirija. O trânsito da cidade de São Paulo é um caos. Todo dia de manhã é uma loucura. Mas a partir do meio-dia, nada melhora, é uma loucura do mesmo jeito. No período da tarde ou à noite – sempre uma loucura. Como a frota da cidade ultrapassa os 5 milhões de veículos, eu, como motorista, faço parte deste exército de loucos.

Então, logo cedo, vou para o trabalho. Pego meu carro – tiro da garagem, viro à direita, depois à esquerda, esquerda novamente e chego no farol. Ou seria sinal? Ou seria semáforo? Paro o carro, mas alguém me ultrapassa pela esquerda. Nenhum problema, caso eu não estivesse na faixa da esquerda e o motorista, apressado, não estivesse me ultrapassando pela contramão. Uma buzina ecoa atrás de mim. O farol continua fechado. Se eu fumasse, com certeza acenderia um cigarro. Como não fumo, olho no retrovisor para ver se o nó da gravata está bem feito.

Abre o farol e eu sigo meu caminho. Um casal cruza na minha frente, freio rápido – quase atropelo os jovens pombinhos. Subo uma rua e viro à direita. Estou agora numa avenida e muitas motos dividem espaço com meu carro e mais um monte de outros carros. Resumindo: são carros e motos por todos os lados. Mudo de uma faixa da esquerda para uma faixa da direita. Não presto a devida atenção em um motoqueiro e escuto elogios a minha mãe e a toda minha família. Muito educado o moço.

Abro o vidro, pois está calor dentro do carro. O ar condicionado está quebrado. Nunca tive carro com ar condicionado, agora que comprei um – ele quebra. Paro no farol e vem um rapaz vender bala. Ele pendura a embalagem no espelho esquerdo do meu carro e nela tem um papel com os seguintes dizeres: ‘prefiro vender bala e ganhar a vida honestamente que sair por aí roubando’. Não compro as balas e vou embora. Paro em outro farol. Um cara joga água no pára-brisa e começa a passar o rodinho para limpar. Eu digo que não. Grito que não, mas não tem jeito. Ele pede uma ajuda. Digo que estou sem dinheiro e vou embora. No próximo farol é a vez do malabarista. Um garoto de 8 ou 9 anos joga 4 ou 5 limões para cima – derruba duas vezes em menos de 1 minuto – depois vem até o vidro do carro e pede uma ajuda. Digo que não tenho dinheiro e vou embora.

As autoridades de trânsito em São Paulo dizem que muitos motoristas deveriam, se possível, deixar seus carros em casa e ir para o trabalho de ônibus ou metrô. Para mim não é possível, por isso passo a terceira marcha e passo a quarta marcha na ânsia de chegar logo, mas freio bruscamente. O farol fechou. Uma garota muito atraente vem no vidro do meu carro e me chama de lindão. Ela me entrega um panfleto de uma boate e dá uma piscadinha antes de ir aos outros carros fazer a mesma coisa. O farol abre e vou embora. Não piso corretamente na embreagem e a marcha raspa. Um taxista na minha frente freia sem motivos aparentes. Quase bato no seu carro. Digo ao taxista os mesmos elogios que ouvi do motoqueiro.

Estou quase chegando. Faltam 5 minutos para as 10h00. Viro à direita, viro à esquerda e entro no estacionamento do prédio onde trabalho. Pego fila para entregar o carro ao manobrista. Penso que preciso escrever minha coluna do Comunique-se antes de começar a trabalhar. Entrego o carro para o manobrista – passo na portaria para pegar os jornais – corro para pegar o elevador – chego ao escritório às 10h01. Já estou cansado e ainda tenho um dia de trabalho pela frente. Depois do trabalho, enfrentar o trânsito de São Paulo novamente. Enquanto escrevo o texto para o Comunique-se lembro que meus cabelos estão ficando grisalhos. Acho que é culpa do shampoo.

(*) Jornalista e escritor ou “contador de histórias”, como prefere ser chamado. É Diretor de Programação da CINETVNET (www.cinetvnet.com.br), TV pela internet. Está escrevendo seu primeiro romance, DOCE DESESPERO.

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