Sabedoria popular
A sabedoria popular é muito maior do
que os intelectuais (e principalmente os pseudos) estão dispostos a admitir.
Prova disso são os provérbios que atravessam milênios, passando de
boca-em-boca, de região-para-região, de país-para-país, vertidos para línguas
bem diversas daquelas em que foram originalmente elaborados, mas sem perder a
essência. Tenho uma coleção razoável desses ditos, a maioria anônima, de
absoluto domínio público. Apesar das diferenças de culturas entre os povos, a
despeito de realidades e costumes bastante diversos, há neles uma raiz comum, a
mostrar que naquilo que é essencial, o homem é igual aqui e na China. E também
atemporal. É o mesmo no século IX Antes de Cristo e na virada do terceiro milênio
da Era Cristã.
A "Bíblia", o livro dos
livros, tem um volume todo (já que se trata de uma biblioteca sintética)
dedicado somente a provérbios, de autoria do rei Salomão. Foram escritos para a
sua época, mas contêm uma atualidade impressionante. Podem ser perfeitamente
aplicados às situações de hoje. Como este, por exemplo: "Há rico que nada
tem, há pobres de muitos bens". Ou este: "Melhor um naco de pão com
tranqüilidade que uma casa cheia de carnes com discórdia". Ou este outro: "Caminho
da vida: ter disciplina! Quem desdenha a censura cai na ruína". O livro
todo de "Provérbios" é de uma sabedoria cristalina, soberana, humana.
É isso! Contém o melhor da humanidade. Trata-se de uma leitura amena, mas de
enorme proveito, pelos ensinamentos que encerra.
Milênios antes de Salomão (e da própria
existência do povo de Israel), esses ditos circulavam pelo mundo, passados de
pai para filho, gerações após gerações, até‚ chegarem ao nosso tempo. São
frutos não apenas da observação, mas da experiência. O interessante é que os
puristas literários consideram-nos vícios de estilo. Chamam-nos de
"clichês",
"chavões", "lugares-comuns" e condenam o seu uso.
Arrogantes donos da verdade! Por que desdenhar da sabedoria desse povo que
integramos, do qual fazemos parte, depurada e aperfeiçoada pelo tempo?!
Dos vários provérbios que reuni, há um,
judeu, que aprecio particularmente. Diz: "Quem deve ser honrado? Aquele
que honra os outros". Um outro, chinês, constata: "Aquele que
conseguisse prever o futuro com três dias de antecedência seria rico por
milhares de anos". Desse mesmo povo, há um que recomenda: "Se você
não confia num homem, não o empregue; mas se você emprega um homem, confie
nele". Simples, não é verdade? E sábio. E belo. E eterno. Trata-se de um autêntico
"ovo de Colombo". São constatações que qualquer um de nós poderia
fazer. Mas não fizemos. E é nessa simplicidade, nessa obviedade, nesse
primitivismo que estão a beleza e a sabedoria desses ditos populares.
Recentemente, anotei em minha coleção
provérbios do povo bantu (diria nação, civilização, etnia que se espalha por
Camarões, República do Congo, Quênia, Somália, Zaire, Zimbabwe e África do
Sul), publicados no caderno "Idéias" do "Jornal do Brasil",
do Rio de Janeiro. É um tratado de sociologia e de antropologia, prático, sem
nomes pomposos e teorias complicadas. É a ciência do comportamento detectada em
seu nascedouro. Perceba o leitor a verdade existente neste aforismo: "A
autoridade, como a pele de leopardo, é cheia de buracos". E neste outro: "Se
queres te queixar do chefe, primeiro atravessa as fronteiras". E em mais
este: "Quem casa, põe cobra na mochila". Observe a sabedoria deste
provérbio: "O fogo não destrói o fogo, nem a guerra a guerra". E
deste: "Pára de tomar mel enquanto é gostoso". E de mais este:
"Elogiar, só os mortos".
O admirável nessas pérolas da sabedoria
popular é o poder de síntese que têm. Os ditos sábios, os chamados filósofos,
sociólogos, antropólogos, literatos, ou seja lá o que forem, usariam páginas e
mais páginas, livros e mais livros, para expressarem esses mesmíssimos
conceitos. O povo, no entanto, resume-os com meia dúzia de palavras. E elas
bastam. Sobrevivem à memória e ao tempo, mesmo não perpetuando o nome do
verdadeiro autor. A sabedoria é simples.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Admirável editorial.
ResponderExcluir