Por que a direita saiu do armário?
* Por
Emir Sader
Quando se usa essa
expressão, não se está querendo dizer que ela estivesse escondida até
recentemente. A direita, na era neoliberal, no Brasil, é representada pelos
tucanos e seus aliados e sempre esteve ocupando o campo político como
alternativa aos governos do PT.
O que há de novo é a
consolidação de um setor de extrema direita na classe média, que teria colocado
recentemente as manguinhas pra fora, constituindo-se no fator novo no cenário
político nacional. E que parece que veio para ficar.
Sem discutir a tese da
Marilena Chauí – que esse setor insiste em confirmar – de que a classe média
seria fascista, é inegável que pelo menos um setor dela assume teses fascistas
e o faz da maneira mais escancarada, quase como um clichê, pelos slogans que exibe,
pela atitude agressiva e discriminatória, pelo racismo, pelo antiesquerdismo,
pelo anticomunismo.
Mas por que agora, há
12 anos do começo dos governos do PT, essa ultra direita sai do armário? Onde
estava ela? Por que resolveu sair agora do armário?
Essas manifestações
são a prova mais eloquente que os governos do PT não amaciaram a luta de
classes, mas a acirraram. Caso os governos do PT fossem apenas uma variante do
neoliberalismo – como algumas atitudes sectárias, que não conhecem o país e não
sabem das profundas transformações operadas no Brasil desde 2003 – a direita só
poderia estar satisfeita, teria que estar comemorando a cooptação de um PT tão
expressivo do campo popular – o mais importante de toda a trajetória da
esquerda brasileira -, para o seu campo. Menos ainda teria por que se empenhar
com todas suas forças para tirar o PT do governo e tentar desqualificar o Lula,
para inviabilizar seu retorno à presidência.
Só mesmo porque
sentiram que seus interesses estavam sendo afetados, que já não dispunham do
governo a seu bel prazer e correm o risco de ver este período se estender muito
mais, com uma eventual volta do Lula à presidência, é que a direita saiu do
armário e passou a exibir sua cara de ultra direita.
De que forma esses
interesses foram afetados? Em primeiro lugar, na prioridade das políticas
sociais e na extensão do mercado interno de consumo de massas, com a
distribuição de renda que acompanhou a retomada do desenvolvimento econômico.
Se interrompeu a política econômica implantada por Collor e continuada por FHC.
Seu fracasso abriu os espaços para governos que romperam com eixos fundamentais
do neoliberalismo, em primeiro lugar, a prioridade dos ajustes fiscais e a
centralidade do mercado.
Em segundo lugar, pela
ruptura com o projeto da Área de Livre Comércio das Américas – ALCA -, levado a
cabo pelos EUA, em complacência com o governo de FHC, que deu lugar ao
fortalecimento dos processos de integração regional, do Mercosul à Celac,
passando pela Unasul. Um processo que inclui os estratégicos projetos dos
Brics, em que o Brasil tem papel chave, e que desenha um mundo multipolar na
contramão dos projetos norte-americanos.
Em terceiro lugar,
porque a centralidade do mercado deu lugar a espaços para a recuperação da
capacidade de ação do Estado, tanto como indutor do crescimento econômico, como
da afirmação dos direitos sociais e como ator nos processos de soberania
externa.
A já clássica frase de
que “os aeroportos estão virando rodoviárias” segue sendo a mais significativa
da reação de setores da classe média à ascensão de amplos setores populares.
Afora exacerbada, desde a Copa do Mundo, em que a vaia à Dilma foi como que a
abertura da porteira da falta de qualquer respeito por parte de setores da
direita.
A campanha eleitoral
do ano passado foi um aquecimento em relação ao que se vive agora. Tanto Aécio
quanto a mídia, exacerbaram sua linguagem e suas formas de atacar o governo,
gerando a ideia de que tudo tinha se tornada insuportável, não apenas a
situação das classes privilegiadas, mas o próprio país, pela corrupção e pela
suposta incompetência do governo. Pela primeira vez na história do país um
candidato a presidente triunfou nas eleições contra praticamente a totalidade
do grande empresariado – confirmando como estes consideram que seus interesses
fundamentais são afetados profundamente pelos governos do PT.
Para os que nunca
aceitaram que os governos do PT tenham sido qualitativamente diferentes dos
governos neoliberais, tudo isso é incompreensível. Na sua incapacidade de
apreender a realidade concreta, tem que culpar o PT por tudo. Até pela direita
ter saído do armário, usado por alguns para atribuir também aí a culpa ao PT.
Por isso a ultra
esquerda não conseguiu, ao longo destes 12 anos – nem no Brasil, nem nos países
com governos posneoliberais na América Latina -, construir uma alternativa e
esta está sempre situada à direita dos governos do PT. Porque acredita que o os
governos do PT são neoliberais, a ultra esquerda não compreende a realidade do
Brasil hoje e não consegue construir raízes no seio do povo.
O PT é responsável
pela saída da direita – e da ultra direita – do armário, porque afetou
profundamente os seus interesses.
*
Sociólogo e cientista político
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