O outro, invisível do sistema
* Por
Raul Fitipaldi
Os refugiados da
Europa não estão na moda. Os refugiados no Mundo e na história da humanidade
não estão na moda. O que mostra a grande mídia são vítimas reais do sistema
numa encenação involuntária que justificaria mais uma guerra de roubo e
genocídio. Neste caso, os países centrais, com Alemanha na vanguarda, precisam
obter uma vênia mundial para destruir a Síria, como já destruíram o
Afeganistão, o Iraque, a Líbia e massacram diariamente o Iémen, através dos
seus sócios árabes, demonstrando, com clareza, que o capitalismo não tem raça,
credo, etnia ou gênero. O capitalismo neoliberal é um sistema de morte global.
Todas as raças e todos
os credos tiveram ou têm seus genocidas, seus imperialistas, sicários e
mercenários. Forma parte da estagnação civilizatória da humanidade. François
“Papa Doc” Duvalier e “Baby Doc” Duvalier no Haiti; George Bush e George Bush
filho, no Império atual; Margaret Tatcher no velho império; Mohamad Reza
Pahlavi no Irã pro imperial; Fulgêncio Batista, Pinochet, Videla, Stroessner
por aqui; Ne Win na Birmânia, Pol Pot em Camboja, Idi Amin Dada na Uganda,
Ariel Sharon no Estado artificial e criminoso de Israel. Tem para todos os
gostos, só mencionando os que vêm a nós da memória próxima e contemporânea.
Todos produziram refugiados, emigrações forçosas, cometeram genocídios em maior
ou menor escala e todos, absolutamente todos, contaram com o beneplácito das
transnacionais imperialistas e do sistema capitalista. Há também líderes
étnicos que se agregam a esta deplorável lista de carniceiros em diversos
continentes. Todas as “intervenções humanitárias” (não confundir com solidária,
como é a participação cubana), produziram mais morte, mais dor, mais
destruição, miséria e escravidão, e produziram alegria só à indústria
armamentista, petroleira e aos fabricantes de medicamentos do Ocidente e comida
lixo.
Fazer discriminações
entre os refugiados por suas características religiosas, étnicas, etárias, nacionais
ou de gênero é mais um ato em favor do divisionismo maquiavélico que propõem os
países centrais. O divisionismo dos povos é estratégico para continuar seu
interminável saqueio de riquezas naturais, culturais e civilizatórias, com a
finalidade de aprofundar a visão única, deforme, militarista, patriarcal e
classista da humanidade. Visão que é sua razão de ser doentia e, que subsiste,
sejamos práticos, porque os beneficia materialmente. Os países centrais têm uma
história enferma, possivelmente desde as Cruzadas, talvez já de antes. O
sistema capitalista foi sua criação mais perversa e, nela, O OUTRO NÃO EXISTE.
O outro pode existir só em condição de inferior, escravo, servil, incondicional
e invisível.
Em algum momento da
vida todos podemos ser o outro. Fui discriminado no colégio católico por muito
pobre e filho de líder grevista. Discriminaram-me na adolescência quando a
família do meu primeiro amor não queria que sua filha fosse namoradinha de um
asmático. Mais tarde na juventude fui discriminado por deixar a igreja e virar
comunista, “ateu confesso”. Fui discriminado por não ser judeu e banquei dois
abortos indesejados. Discriminaram-me na categoria jornalística por ser livre e
não trabalhar jamais para os monopólios. Me discriminaram por ser pai mãe e por
deixar de sê-lo. Fui discriminado por ser hetero, por não beber, por não fumar,
por estrangeiro, por e por e por. Por ser do PT e por não ser mais há 13 anos.
60 anos de discriminação. Fui esse “outro” para muitos, refugiado nas ideias,
emigrante involuntário. Sei um pouco da dor do outro. Mas, é pouco mesmo pois
tive o privilégio de comer, estudar e partilhar uma moradia.
Esse OUTRO que o
sistema torna invisível e infame, só se transforma em humano quando toleramos,
acolhemos, procuramos entender, aceitamos esse outro distante que criamos ou
nos introjetaram com o veneno do diferente. Quando somos visíveis para o outro
tomamos uma dimensão distinta e com ele construímos o presente, sonhamos o
futuro. Quando o outro desaparece dentro de nós, para ser ele, ela, com nome e
sobrenome, o outro pode ser haitiano, sírio, sudanês, senegalês, armênio,
semita, guarani, esquimó, basco, será o que é e assim, como e pelo que é,
desaparecerá e será NÓS. Nós contra essa nova guerra de Ocidente contra Síria.
Nós contra as invasões humanitárias dos cascos azuis e da Minustah. Nós contra
os exércitos, as armas, a discriminação. NÓS como Classe Trabalhadora, nós
civilizadamente para esse Outro Mundo Possível e Urgente que, novamente, parece
que se escapa entre os dedos, como uma nova torrente de sangue.
*
Jornalista
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