A perda da Amazônia
* Por
Helio Jaguaribe
Num país como o
Brasil, marcado por amplas e lamentáveis incúrias de parte do poder público,
nada é comparável ao absoluto abandono a que está sujeita a Amazônia. O que
está ocorrendo nessa área, que representa 59% do território, é simplesmente
inacreditável.
Recomendamos a leitura
da entrevista de Hélio Jaguaribe para a FSP em 2005: "....o Brasil não
terá futuro histórico"
Por meio de uma
multiplicidade de processos, a Amazônia está sendo submetida a acelerada
desnacionalização, em que se conjugam ameaçadores projetos por parte de grandes
potências para sua formal internacionalização com insensatas concessões de
áreas gigantescas - correspondentes, no conjunto, a cerca de 13% do território
nacional - a uma ínfima população de algo como 200 mil índios.
Acrescente-se a isso
inúmeras penetrações, freqüentemente sob a aparência de pesquisas científicas e
a atuação de mais de cem ONGs. Recente reportagem publicada em caderno especial
do "Jornal do Brasil" apresenta os mais alarmantes dados.
A Amazônia brasileira,
representando 85% da Amazônia total, constitui a maior floresta tropical e a
maior bacia hidrográfica do mundo, com um quinto da água doce do planeta,
sendo, concomitantemente, a maior reserva mundial de biodiversidade e uma das
maiores concentrações de minerais valiosos, com um potencial diamantífero na
reserva Roosevelt 15 vezes superior ao da maior mina da África, reservas
gigantescas de ferro e outros minerais na região de Carajás, no Pará, de
bauxita no rio Trombeta, também no Pará, e de cassiterita, urânio e nióbio em
Roraima.
O dendê, nativo da
Amazônia e nela facilmente cultivável, constitui uma das maiores reservas
potenciais de biodiesel. Em apenas 7 milhões de hectares, numa região com 5
milhões de km2, é possível produzir 8 milhões de barris de biodiesel por dia,
correspondentes à totalidade da produção de petróleo da Arábia Saudita.
É absolutamente
evidente que o Brasil está perdendo o controle da Amazônia. É urgentíssima uma
apropriada intervenção federal.
Os principais aspectos
em jogo dizem respeito a formas eficazes de vigilância da região e de sua
exploração racional e colonização. O Grupo de Trabalho da Amazônia, coordenado
pela Abin, já dispõe de um importante acervo de dados, contidos em relatórios a
que as autoridades superiores, entretanto, não vêm dando a menor atenção. É
indispensável tomar o devido conhecimento dos relatórios.
Sem prejuízo das
medidas neles sugeridas e de levantamentos complementares, é indiscutível a
necessidade de uma ampla revisão da política de gigantescas concessões
territoriais a ínfimas populações indígenas, no âmbito das quais,
principalmente sob pretextos religiosos, se infiltram as penetrações
estrangeiras.
Enquanto a Igreja
Católica atua como ingênua protetora dos indígenas, facilitando, indiretamente,
indesejáveis penetrações estrangeiras, igrejas protestantes, nas quais pastores
improvisados são, concomitantemente, empresários por conta própria ou a serviço
de grandes companhias, atuam diretamente com finalidades mercantis e propósitos
alienantes.
O objetivo que se tem
em vista é o de criar condições para a formação de "nações indígenas"
e proclamar, subseqüentemente, sua independência - com o apoio americano.
Em última análise
(excluída a eliminação dos índios adotada no século 19 pelos EUA), há duas
aproximações possíveis da questão indígena: a do general Rondon, de princípios
do século 20, e a atual, dos indigenistas.
Rondon, ele mesmo com
antecedentes indígenas, partia do pressuposto de que o índio era legítimo
proprietário das terras que habitasse. A um país civilizado como o Brasil, o
que competia era persuadir, pacificamente, o índio a se incorporar a nossa
cidadania, para tanto lhe prestando toda a assistência conveniente, dando-lhe
educação, saúde e facilidades para um trabalho condigno.
Os indigenistas,
diversamente, querem instituir um "jardim zoológico" de indígenas,
sob o falacioso pretexto de preservar sua cultura.
Algo equivalente ao
intento de criar uma área de preservação de culturas paleolíticas ou mesolíticas
no âmbito de um país moderno. O resultado final, além de facilitar a penetração
estrangeira, é converter a condição indígena em lucrativa profissão, com contas
em Nova York e telefone celular.
Há urgente
necessidade, portanto, de rever essas concessões, submetendo-as a uma eficiente
fiscalização federal, reduzindo-as a proporções incomparavelmente mais
restritas e instituindo uma satisfatória faixa de propriedade federal,
devidamente fiscalizada, na fronteira de terras indígenas com outros países.
Jornal do Brasil (RJ)
25/2/2007
*
Sociólogo, cientista político e escritor, membro da Academia Brasileira de
Letras.
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