Um caso de amor – Parte IV
* Por
Pedro J. Bondaczuk
(CONTINUAÇÃO)
X
Subitamente, o mundo desmoronou sobre a
cabeça de Theobaldo. Um simples telefonema pôs fim aos seus sonhos, projetos e
ambições. Tudo o que havia feito, com tamanho sacrifício, nos últimos meses,
perdeu de repente a importância e o sentido. O acaso, o frio e insensível acaso
encarregou-se de pôr um ponto final em um maravilhoso caso de amor. O fato
ocorreu em um sábado cinzento e gelado, em que São Paulo mais do que merecia a
designação de “terra da garoa”.
Theobaldo estava revendo o novo
capítulo que havia escrito na madrugada e que pretendia mostrar, logo mais, à
tarde, a Val, que prometera dar uma passadinha em sua casa, como, aliás, fazia
em todos os finais de semana. Subitamente, o telefone tocou. O escritor teve um
sobressalto e, sem saber explicar, teve premonição de que receberia alguma
notícia nada agradável. Antes de atender, tentou imaginar o que poderia ser.
“Val, provavelmente, não poderá vir hoje”, arriscou um palpite. Pudera, com a
correria dos preparativos do casamento, previsto para o próximo mês – portanto,
em mais três semanas – a pobrezinha não tinha mais tempo para nada.
“Seu Theobaldo, aqui quem fala é
Letícia, companheira de apartamento de Valquíria”, disse, do outro lado da
linha, uma voz tensa e chorosa, tão logo Theo atendeu o telefone. O escritor
arrepiou-se da cabeça aos pés. Aquele tom, por si só, já prenunciava má
notícia, quem sabe, até, uma tragédia. A interlocutora fez uma longa pausa
antes de prosseguir.
Os nervos de Theobaldo estavam tensos e
ele suava frio. As mãos estavam trêmulas e a boca seca. “Será que Valquíria
pediu à amiga para me comunicar o rompimento do compromisso? Não, não pode ser!
Ainda ontem, quando nos despedimos, ela me disse, com tamanha doçura e carinho,
que me amava! Não pode ser isso! Mas, e se fosse?”, conjeturou.
“Seu Theobaldo, não sei como lhe dizer,
mas tenho péssima notícia a lhe transmitir”, disse a voz do outro lado da
linha, entre vários soluços. “Diga, diga logo!”, gritou o escritor, impaciente
e com a visão já turva pelo medo do que poderia ouvir. “Valquíria sofreu um
acidente no centro da cidade. Foi atropelada por um carro em alta velocidade
que trafegava na contramão”, disse, finalmente, Letícia.
“Como ela está? Para que hospital foi
levada? Qual é o seu estado?”, indagou, aos gritos, atropelando as palavras, em
desespero, aturdido, sem saber o que dizer ou fazer. Foi informado que Val fora
levada, em estado grave, para o Hospital das Clínicas. “Ela vai resistir. Minha
princesa é forte! Não é possível que a vida me apronte mais essa sacanagem!”,
pensou Theobaldo, entre desesperado e esperançoso, já dentro do carro, que
dirigia como um alucinado em direção do hospital. Mas o pior ainda estava por
vir.
Esperava tudo na vida, menos isso. Foi
informado que Valquíria não resistiu aos ferimentos recebidos e morreu ainda na
ambulância, a caminho do pronto-socorro. E que a autópsia revelou que a moça
estava grávida de três meses. Isso mesmo! Theobaldo perdera, num só golpe, duas
pessoas que se propunha a amar enquanto vivesse.
Entrou em estado de choque. A dor que
sentia era tão pungente, que fez com que procedesse como se nada houvesse
acontecido. Não conseguia nem mesmo chorar. O pranto, nesse momento, certamente
seria um alívio caído dos céus. Soluçava, urrava, xingava, se debatia, mas
nenhuma lágrima rolava de seus olhos.
Tudo lhe parecia irreal: o trânsito, as
pessoas, os prédios, o mundo e a vida. Tudo, nesse momento, lhe era agressivo,
feio, caricato e mau. “Não é possível! Isto é um pesadelo, do qual logo irei
acordar!”, pensava desesperado, sem conseguir assimilar por completo a
realidade.
“Não pode ser verdade! Daqui a pouco
Valquíria, a minha Valquíria, a minha princesa encantada vai chegar, com aquele
seu sorriso maroto, me beijar e dizer que me ama!”, tentava se consolar. Não
adiantava, contudo, tentar se iludir. Lá no fundo do cérebro uma realidade
piscava, como frias luzes de néon, a dura verdade: Valquíria morreu, Valquíria
morreu, Valquíria morreu. “O que será de mim, meu Deus do céu?!”, gritou, no
auge do desespero.
Apesar dos pais da namorada quererem se
encarregar do sepultamento, Theobaldo não deixou. Tomou todas as providências
cabíveis e dispôs-se a assumir as despesas do enterro, que ocorreu no Cemitério
Bom Pastor, no Morumbi. A cerimônia religiosa foi breve, mas tocante. Valquíria
estava num caixão de luxo, o mais caro da funerária. Parecia dormir. Seus
cabelos, bonitos e cheirosos, que cheiravam a canela e jasmim, estavam
enfeitados com uma grinalda de flores brancas. Estava belíssima no caixão,
vestida de branco, como uma garotinha no dia da Primeira Comunhão.
Cerca de vinte pessoas, apenas, estavam
presentes no cemitério. Além dos pais da moça, compareceram ao sepultamento
algumas colegas de faculdade e as amigas com as quais dividia o apartamento. O
céu estava cinzento, prometendo chuva para qualquer momento.
Valquíria foi sepultada em uma cova
cavada num extenso gramado, debaixo de uma frondosa árvore, com pássaros voando
ao redor. Era bem o enterro que ela desejaria, ela que amava tanto a natureza e
era uma ecologista ferrenha. Theobaldo não suportou ver o caixão baixar à
sepultura. Virou as costas e caminhou sem rumo. Nem se lembrava onde estava e
muito menos onde havia deixado seu carro.
Saiu caminhando, cabisbaixo, pelas ruas
que circundavam o cemitério, tomado de uma angústia indescritível. Nem ele,
acostumado a descrever todos os sentimentos possíveis de seu personagem, nem
escritor algum do mundo conseguiriam transmitir em palavras o que sentia
naquele dramático momento.
Subitamente, agachou-se. Sentia-se
cansado, muito cansado, exausto, como se houvesse acabado de subir uma íngreme
ladeira carregando uma tonelada de chumbo nas costas. Sentou-se na calçada,
colocou a cabeça entre as mãos e prorrompeu num pranto amargo, copioso,
sentido, em que a revolta contra tudo e contra todos se misturava à saudade e à
profundíssima dor da perda. Uma estudante passou por ele e se deteve. “Moço,
moço, precisa de ajuda?”, perguntou. “Não, não, estou bem”, respondeu
mecanicamente, entre soluços.
Não saberia dizer quanto tempo ficou
ali. Começou a chover. De início, era apenas uma garoa fininha e gelada, que
foi aumentando de intensidade, até se transformar em copiosa chuva. Theobaldo,
finalmente, ensopado e gelado, tornou a ficar de pé e foi caminhando,
lentamente, em direção ao carro, que ficara no estacionamento do cemitério.
Dirigiu, ainda, durante horas, sem rumo
ou direção, até quase acabar o combustível do
carro. Entrou num posto, abasteceu o veículo e dirigiu de volta para
casa. Esta, agora, se lhe tornara mais sombria do que nunca, como se fosse uma
masmorra sombria ou um túmulo infecto, sem a risada espontânea e gostosa de
Valquíria e sem o eco mavioso de sua voz, que lhe parecia verdadeira canção dos
anjos, mesmo quando se limitava a dizer tolices e que nunca mais, em tempo
algum, tornaria a ouvir.
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XI
Theobaldo permaneceu prostrado por
semanas. Não comia, não se banhava, não se barbeava e limitava-se a beber. Não
água, evidentemente. Eram litros e mais litros de uísque consumidos nesses dias
todos. Não saberia dizer quantos. Fumava, fumava e fumava bastante e aqueles
seus charutos fedorentos de antes de conhecer Valquíria.
Escrever? Nem pensar! Mal se levantava
da cama para fazer as necessidades fisiológicas. Não atendia a campainha e nem
o telefone. Não queria ver ninguém. Não gostava de ninguém. Detestava o mundo e
o cinismo dos pretensos amigos. A caixa postal de seu celular estava
superlotada de mensagens, que ele nem se dava o trabalho de conferir.
Seu primeiro impulso foi o de se deixar
morrer à míngua, para reencontrar Valquíria, quem sabe, em outro mundo em
alguma outra dimensão alhures. Aos poucos, porém, foi retomando a vontade de
viver. Lá um belo dia, olhando-se no espelho, concluiu que sua amada, estivesse
onde estivesse, não deveria estar gostando nada, nada daquele velho que agora
era só pele e osso, com os cabelos completamente grisalhos, com uma barba que
lhe ia até o peito e que lhe dava o aspecto de um mendigo. Banhou-se, pois,
meticulosamente, barbeou-se com esmero e a nova aparência animou-o.
Fez uma farta refeição, contratou uma
faxineira para pôr um pouquinho de ordem no chiqueiro em que sua casa e,
notadamente, seu gabinete de trabalho, se transformaram e, subitamente, num
lampejo, decidiu que já era hora de voltar a trabalhar. Qual livro concluiria?
Era óbvio que seria “Um caso de amor”. Além do texto já estar quase na metade,
era o preferido de Valquíria. Faria dele uma obra-prima, em memória da amada.
Contudo, ao sentar-se junto ao
computador, não lhe veio nenhuma idéia. Não conseguia escrever sequer uma
palavra, quanto mais capítulos e mais capítulos. Subitamente, veio-lhe à mente
um impulso que, a princípio, lhe pareceu incoerente e estapafúrdio, mas que,
aos poucos, começou a ganhar corpo. “Que tal se eu usasse o meu diário e o
adaptasse de forma tal que completasse o ‘Um caso de amor’?”, pensou. Do
pensamento à ação, foi um pulo.
Claro que modificou a aparência e as
características do principal personagem masculino. Em vez de ser baixinho, com
profundas entradas, sem nada que lembrasse nem de longe um atleta, tornou-o
alto, atlético, bonito, de cabelos ligeiramente grisalhos nas têmporas. Sem se
dar conta, deu, ao seu herói, as características exatas do pai de Valquíria.
Sua heroína, contudo, era a finada amada sem tirar e nem pôr. Claro que em seu
enredo ela não morria. Separava-se, é verdade, do amante, mas para fazer um
curso de artes em Florença, na Itália, com promessas de voltar um dia, de onde
enviava e-mails e mais e-mails apaixonadíssimos e pungentes poemas de amor.
“Essa história não vai colar. É
positiva demais. A vida não é assim!”, concluiu, ao acabar de escrever o
romance. Seu primeiro impulso foi o de deletar o texto e começar tudo de novo.
“Imagine, a crítica vai me arrebentar de pancada se publicar algo assim”.
Passou dias sem pensar mais no assunto. As lembranças de Valquíria
perseguiam-no incessantemente. Transformou seu gabinete de trabalho quase que
num santuário. Havia fotos da amada espalhadas por toda a parte. A que achava
ser a melhor, e era dificílimo escolher qual fosse já que Val era sumamente
fotogênica, além de belíssima, mandou ampliar e fazer um pôster, que colocou
numa moldura, cujo quadro pôs bem em frente à sua escrivaninha, para
inspirá-lo. E inspirava.
Antes de se desfazer de uma vez por
todas de “Um caso de amor”, resolveu dar a um especialista para ler e opinar.
Contratou, para esse fim, o Geraldo, que fora o revisor de “Clarita” e que
encontrava até pêlo em ovo. Punha defeito em absolutamente tudo e era um
sujeito azedo e ranzinza, que não costumava ser gentil com os escritores, por
mais nome que tivessem e mais bem-sucedidos que fossem, quando se tratava da
qualidade de algum texto. Era de uma sinceridade absurda, completa, agressiva.
Theobaldo queria, na verdade, um álibi para justificar ter se desfeito do
romance, que certamente agradaria Valquíria.
Passados uns dias, Geraldo retornou à
casa do escritor, com ar que pareceu taciturno a Theobaldo, com o calhamaço do
romance debaixo do braço. Theo estava pronto para ouvir as críticas que tinha
certeza que viriam e estava mais do que disposto a destruir aquele texto que,
ademais, lhe era tão íntimo. Era uma história vivida, sofrida, dolorosa até, e
não mera obra de ficção. Estava, sobretudo, arrependido de dá-la ao revisor
para ler. Deveria tê-la destruído há tempos.
“E então, seu Geraldo”, perguntou,
pronto para ouvir uma série de restrições ao seu texto. “Seu Theobaldo, vou ser
sincero. O senhor me conhece há anos e sabe que nunca enganei ninguém. Às vezes
sou até um tanto ríspido, já que escrever não é brincadeira de criança.
Contudo, com toda a sinceridade, em mais de trinta anos de profissão, nunca li
algo tão bom. Que livro! O senhor acertou na mosca!”, disse Geraldo, para
surpresa e pasmo do escritor.
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XII
Após a avaliação positiva de Geraldo,
Theobaldo levou, ainda, um tempão para se decidir a publicar o livro. À medida
que o tempo passava, a saudade de Valquíria se multiplicava, doía, inquietava,
era uma idéia fixa, uma tortura, uma obsessão. Onde quer que fosse, parecia
vê-la, sorrindo, à distância. Fizesse o que fizesse, a lembrança dos momentos
de amor e fantasia que tiveram não o largava em momento algum, nos bares, no
cinema, no teatro, no estádio durante um jogo de futebol e assim por diante.
Valquíria, Valquíria, Valquíria!, gritava seu coração, sem cessar.
Evitava, o máximo que podia, de ficar
em casa. A alma da amada estava por toda a parte, em cada cômodo, em cada
livro, em cada objeto que ela havia tocado, notadamente no gabinete de
trabalho. Sentia-se adoentado, desanimado e envelhecido. Envelhecera, de fato,
em semanas, mais do que nos últimos cinco ou seis anos.
Lá numa bela manhã de sol, em que
acordou mais disposto do que em outros dias (sonhara com Valquiria, sonho que
se tornara recorrente), assim, de repente, não saberia explicar a razão, decidiu,
num impulso, que publicaria o livro. Onde? Não sabia. Tinha consciência de que
estava “queimado” no mercado editorial. Chegou a cogitar em bancar a edição,
mas esbarrou na questão da distribuição. Não, não era este o melhor caminho.
Faria o que todo escritor novato faz,
quando acha que produziu uma obra-prima. Iria às editoras, quantas fosse
necessário, bateria de porta em porta, com os originais debaixo do braço, até
que algum editor se dispusesse a pelo menos ler seu romance. Se não gostasse,
paciência. Venceria pelo cansaço.
Uma coisa se deve dizer a favor de
Theobaldo: era determinado. Quando decidia alguma coisa, não havia quem o
demovesse e o fizesse voltar atrás. E agora estava decidido a publicar o livro,
custasse o que custasse. Devia isso a Valquíria, inspiradora e principal
personagem desse romance. Era uma forma de tê-la, para sempre, consigo.
Theobaldo tentou vários contatos com
Alípio, em vão. Deixava sucessivos recados na sua secretária eletrônica, mas
este nunca retornava a ligação. As tentativas de ligar para o seu celular
também não deram certo. Bem que Theobaldo insistiu. E não apenas uma vez, mas,
sem nenhum exagero, pelo menos uma centena delas. Invariavelmente, todavia, sua
chamada caia na caixa postal.
Foi à editora, tentar falar com Alípio,
mas este não o recebeu. A secretária informou-o que o editor não estava, que
havia viajado, mas o escritor sabia que era mentira. Vira o carro do editor no
estacionamento. Essas tentativas duraram um mês inteiro. Theobaldo concluiu que
dali não poderia esperar mais coisa alguma. Essa porta lhe estava
definitivamente fechada. Pena.
Resolveu contatar outros editores. Em
vão. Todos, invariavelmente, davam-lhe a mesmíssima resposta: “nossa
programação deste ano já está completa”. E recusavam-se, gentilmente, a
recebê-lo. Foram mais de dez tentativas, todas com igual resultado. Alguns,
até, se dispunham a publicar o livro, desde que Theobaldo arcasse com as
despesas.
Até que, depois de tanto insistir,
encontrou quem se dispusesse a pelo menos recebê-lo. Claro que o escritor teve
que insistir muito para que isso acontecesse. “Não quero uma definição, mas
apenas que você leia o romance. Se não gostar, juro que nunca mais o
incomodarei”, disse Theobaldo a Souza, dono de uma editora de porte médio, que
se projetava no mercado graças a alguns recentes sucessos editoriais. Três dos
seus lançamentos ocupavam posições de destaque na lista dos dez mais vendidos
da revista Veja. Um deles, era de um escritor nacional, até então desconhecido.
“Esse é o lugar certo”, intuiu o escritor.
Marcaram um encontro para dali a uma
semana. No dia combinado, Theobaldo arrumou-se como um noivo para um casamento.
Banhou-se, barbeou-se, vestiu seu melhor traje e até parecia aquele sujeito dos
bons tempos do namoro com Valquíria, aprumado, olhos brilhantes, passos firmes
e confiantes. Queria impressionar o interlocutor já a partir da aparência.
Tinha que impressionar.
Foi recebido formalmente, até com uma
certa reserva, para não dizer frieza, por Souza, que não escondia a impaciência
de se livrar logo de um compromisso, digamos, indesejável. Apenas se dispôs a
receber o escritor por causa da sua intuição, que até ali vinha se mostrando
infalível. “Quem sabe?! Ninguém esquece de escrever se tiver mesmo talento”,
foi o seu raciocínio. Tinha, todavia, mais dúvidas do que certezas.
Theobaldo passou-lhe os originais. O
editor começou a ler, amuado, o calhamaço, certo de que interromperia a leitura
lá pela página 30 ou menos. Já tinha, até, a resposta de recusa pronta na ponta
da língua. Mas o tempo foi passando. Quinze minutos, vinte, meia hora se
passaram, e Souza seguia lendo, concentrado, o texto. Sequer piscava. Estava
totalmente abstraído, ou melhor, embevecido com o que lia. “Não é possível! O
cara é muito bom”, cochichou aos seus botões.
Vez ou outra, balançava a cabeça, em
sinal de aprovação. Quarenta minutos depois, chamou a secretária pelo
interfone: “Dona Rosa, por favor, traga dois cafezinhos”. E mergulhou, de novo,
na leitura, sem sequer se dar conta da presença do escritor, que caminhava pelo
escritório, com as mãos cruzadas atrás das costas, à espera de alguma
definição. A coisa estava demorando mais do que esperava. “O que será que o Souza está achando? Por que
demora tanto em me dar um esculacho?”, pensou, entre desanimado e esperançoso.
Ao chegar à derradeira página, o editor
ficou, certo tempo, parado, olhando para o vazio, como que refletindo antes de
tomar alguma importante decisão. Não disse nada a Theobaldo. Voltou, isso sim,
a falar com a secretária pelo interfone: “Dona Rosa, por favor, prepare, com
urgência, um contrato padrão. Mas tenho pressa! É pra já!”. Bingo! A sorte,
para ambos, estava lançada.
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XIII
Tão logo Theobaldo saiu do escritório
do editor, com a cópia do contrato devidamente assinada, Souza fez três
ligações sucessivas, para os três críticos literários considerados os melhores
do País, que trabalhavam para os três jornais de maior circulação nacional,
dois de São Paulo e um do Rio de Janeiro. O teor da conversa foi o mesmíssimo
nos três casos.
“Estou lhes enviando, por e-mail, os
originais de um livro que vai ser o estouro editorial do ano. Tanto, que
pretendo lançá-lo em, no máximo, quinze dias. Quero que você o leia, mas leia
mesmo, com toda atenção e sem preconceito e emita sua opinião. Esteja certo que
vou saber se leu de fato ou não. Lembre-se que você me deve esse favor. Não vá
me decepcionar”, disse Souza, a cada um deles.
Os três receberam a mensagem,
estranhamente, da mesma forma: com um pé atrás, assim que souberam de quem se
tratava. Mas decidiram fazer o que Souza lhes pedia. “Afinal, o cara tem faro.
Não perdeu nenhuma aposta até aqui”, concluíram, ao mesmo tempo, embora cada
qual no seu canto e à sua maneira.
Feito isso, o editor ligou para a
“vedete” da sua editora, o escritor que ocupava o terceiro lugar na lista dos
livros mais vendidos da revista Veja e que tinha, portanto, forte apelo popular
e, sobretudo, credibilidade junto ao público. Pediu-lhe que escrevesse um
prefácio, urgentíssimo, para “Um caso de amor”. Assim que soube de quem se
tratava, porém, o jovem best-seller teve reação idêntica à dos críticos. Ou
seja, a de uma certa dúvida sobre a aposta de Souza. Prometeu, contudo, ler o
romance e, se “gostasse”, fazer o que o editor lhe pedia.
O dia do lançamento, ocorrido na
livraria Megastore, no Shopping Morumbi, foi uma loucura. Uma multidão de
ávidos leitores acorreu ao local em busca de uma dedicatória, de uma mensagem
ou de um simples autógrafo do escritor, que já estava sendo chamado de “Fênix
Literária”, pois, a exemplo da mitológica ave, havia renascido das próprias
cinzas.
A procura surpreendeu todo o mundo, em
especial os editores de arte dos grandes jornais que, ao saberem da
concentração popular, enviaram, às pressas, repórteres e fotógrafos ao local do
evento e reservaram espaços em suas respectivas edições, que iriam atrasar seus
deadlines, para desespero do pessoal da circulação.
As críticas foram, como Souza já
esperava, favorabilíssimas. Pudera, o livro era, de fato, muito bom. Mais
parecia uma reportagem – posto que em tom ligeiramente poético – do que um
romance. Tinha poesia, humor, cenas de sexo, garra, paixão, verossimilhança
etc. Ou seja, contava com todos os ingredientes que compõem um marcante
best-seller.
O editor só não esperava um êxito tão
fulminante. Mandara, para a livraria, na noite do lançamento, quinhentos
exemplares, certo de que estava exagerando na dose. Se exagerou, porém, foi no
pessimismo. Essa quantidade não deu nem para esquentar. Por três vezes, teve
que enviar, com urgência, a mesma quantidade de cada vez e ainda assim houve
quem saísse da livraria sem conseguir comprar o livro. Theobaldo estava, pois,
no topo do mundo.
No lançamento, no Rio de Janeiro,
ocorrido no Teatro Vanucci, no Shopping da Gávea, a história se repetiu. Os
dois mil exemplares que a editora enviou se esgotaram em pouco tempo. Muita
gente (dezenas de pessoas) saiu frustrada dali, resmungando, por não ter
conseguido comprar o sucesso editorial do momento.
“Seu Theobaldo, seu Theobaldo, por
favor, uma palavrinha para os telespectadores da Globo”, interrompeu-o, afoito,
um repórter de televisão. O escritor, solícito, dispôs-se a atender o
interlocutor.
“Dizem, por aí, que seu romance é
baseado em fatos reais. O senhor confirma esses rumores? E, se for, Lenora
continua morando na Itália?”, perguntou-lhe, de chofre, o repórter.
Theobaldo sorriu, piscou para Cristine,
sua jovem, alta e loira nova secretária – que se caracterizava, além da
estonteante beleza, por um par de seios de enlouquecer qualquer mortal – e
desabafou: “Fatos reais? Que nada, amigo! O romance é fruto exclusivamente do
talento, da criatividade e da imaginação. Quem dera que a vida fosse assim tão
bela!”.
FIM
* Jornalista, radialista e escritor.
Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981
e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras
funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no
Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e
“Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos), “Cronos &
Narciso” (crônicas), “Antologia” – maio de 1991 a maio de 1996. Publicações da
Academia Campinense de Letras nº 49 (edição comemorativa do 40º aniversário),
página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio de 2001. Publicações da Academia
Campinense de Letras nº 53, página 54. Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com.
Twitter:@bondaczuk
O sucesso acontece e ninguém sabe bem o porquê.
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