Ter
e o ser
* Por Evelyne
Furtado
O fenômeno social não é novo. Uma visão
rápida da história mostra-nos que a sociedade há muito cultua a posse de bens
como forma de alguns indivíduos se posicionarem acima de outros menos
favorecidos economicamente. A literatura é uma boa fonte de informações sobre o
assunto. A “Comédia Humana” de Balzac dá-nos inúmeros exemplos de como os
franceses da época valorizaram bens e títulos. O próprio autor vivia atordoado
por cobradores para poder fazer uso dos símbolos sociais em voga.
A ânsia de status é antiga, mas creio
que atualmente tem como conseqüência uma inversão quase total nos valores.
Cresci numa época pós-hippie e fui influenciada pela contracultura que pregava
a paz e o amor ao invés das riquezas materiais. Época na qual buscávamos ser o
mais autêntico possível e que eram consideradas feias as ostentações. Todavia,
essa tribo foi sucedida nos anos 80 pelos yuppies – geração de riquinhos
americanos entre 20 e 40 anos que seguiam a moda em todos os sentidos. O capitalismo
era então assumido entre os jovens sem disfarces. E o consumo passou a ser
incentivado pela mídia de forma avassaladora. Hoje, se encontra no ápice.
Não condeno quem gosta de se vestir e
de comer bem, ou ainda de oferecer o melhor aos filhos. Mas deploro essa
insanidade que acomete as pessoas ao acharem que a aquisição de bens, o uso de
certas griffes e a demonstração de riqueza as tornam melhores. Sinto até
piedade de alguns, pois se mostram o quão frágeis são ao se apegarem a ícones
do consumo para encobrir uma auto-estima baixa. Não sou santa, não. Também
cometo meus pecadilhos nesta área, mas não aquilato as pessoas pelo que elas
têm, e sim pelo que são.
Claro que admiro o sucesso como
resultado de trabalho e talento, porém meus olhos buscam sempre as qualidades
interiores. Inteligência, generosidade, humildade, sensibilidade e gentileza em
uma pessoa são a mim mais atraentes. Gestos nobres me encantam; pessoas simples
me comovem. O que mais aflige é perceber que ao se priorizar o "ter"
tudo passa a ser justificado para a obtenção dos símbolos de status. Não
importa se você corrompe ou é corrompido; não importa se você pisa no pescoço
de um concorrente para conseguir um cargo; não importa a maneira como você
consegue. Importa que você consiga alcançar o patamar almejado. Numa distorção
de valores preocupante.
Entretanto, consola-me saber que
existem pessoas construindo pontes que as levem aos semelhantes, através da
religião, do auto-conhecimento, da dedicação às crianças e aos adolescentes
carentes material e afetuosamente. Gente exercendo o amor no sentido maior.
Conforta-me perceber jovens e adultos aprimorando-se como seres humanos e
vencendo preconceitos; deitando olhares de compreensão e ternura sobre os
outros.
Acredito que compete a cada um de nós,
que conseguimos ver o perigo nesse consumismo doentio, focarmos a riqueza
interior de cada indivíduo e fazermos ver como é mais valiosa a sinceridade de
um gesto terno do que um "prêmio" ganho desonestamente que venha
atrair para quem recebe o seu inferninho particular.
Cabe aos formadores de opinião, aos
professores e aos pais a missão de ressaltar os valores reais antes que a
sociedade se deteriore definitivamente, pois ser bom é bem mais vantajoso para
a humanidade do que ter bens. Afinal, não se consegue paz de espírito comprando
o carro mais caro, e sim, cultivando virtudes que servirão a todos.
" Nós precisamos começar a amar para não adoecer" (Sigmund Freud).
" Nós precisamos começar a amar para não adoecer" (Sigmund Freud).
*
Poetisa e cronista em Natal/RN
Infelizmente uma pregação no deserto. Os diferentes querem ser iguais para não ser discriminados. Desse modo, vamos comprando a torto e a direito, entupindo nossas casas, fazendo lixo às toneladas e emporcalhando o mundo.
ResponderExcluirEvelyne, realmente o que Mara disse: "Infelizmente uma pregação no deserto." O nosso povo é muito religioso e quando você diz: "consola-me saber que existem pessoas construindo pontes que as levem aos semelhantes, através da religião..." Eu descordo, porque usam o nome de
ResponderExcluirDeus em vão. Quem já não leu aqueles adesivos nos vidros
traseiros dos carros? "Deus me deu de presente”,
“Esse carro é propriedade de Jesus”,
“Esse veículo é guiado por Deus”,
“Deus é fiel...” Não passa num concurso e com apadrinhamento religioso consegue e diz: "Graças a Deus"!!!