Fome
ou amor?
* Por Daniel
Santos
Chegou com cara de fome e pediu um
prato de comida em troca de qualquer serviço. Antes da previsível negativa,
empurrou o portão, tomou a vassoura das mãos da mulher e repetiu “qualquer
serviço, ‘viu dona’”.
Varria com gestos bruscos, rosto
crispado de urgências e narinas infladas de infalível olfato: ela lhe preparava
alguma coisa, intuiu. Entrou pela cozinha e deu cabo do sanduíche com
voracidade de assustar.
Mas ele queria mais e pediu outro
serviço. Intimidada, a sós com um desconhecido dentro da própria casa, a mulher
sentiu medo da fome dele e, voz sumida, garganta seca, disse que o almoço saía
logo, logo.
Panelas no fogo máximo, e ela agora
mais aflita, porque o tal avançava pelos aposentos, à procura de tarefas que
lhe rendessem comida ou dinheiro. Era homem e tinha de se sentir homem. Ou era
ninguém?
Esbarraram-se no quarto: ela aturdida,
ele só iminências. E suas mãos
desocupadas encontraram-na. Tomou-a, beijou-a, sem saber se o movia a fome ou o
amor. Estacou, então, aturdido. Ela, agora, iminências.
* Jornalista carioca. Trabalhou
como repórter e redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da
"Folha de São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo".
Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e
"Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o
romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para
obras em fase de conclusão, em 2001.
Urgências, emergências, iminências. São tantas as pressas da vida que é melhor começar tudo ontem.
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