Devaneios de uma roqueira 9
* Por
Fernando Yanmar Narciso
CAPÍTULO 4 (PARTE 2/2)
- Dei uma checada no
Facebook de manhãzinha, Barbie.
-Hum?
- Tia Flor me lembrou
que sábado é o ‘níver’ de Clarissa, e ela quer vir de ‘belzônti’ passar o dia
aqui com a gente.
- Ah, e eu tenho mesmo
que receber a pirralhinha?
- É sua irmã caçula,
poxa!- Ops! Falei a palavra proibida...
- Clarissa NÃO é minha
irmã, Alexia!- Ela dá com a bandeja na quina do balcão com tanta violência que
ela virou um U.- Aquela anãzinha adotada é a arma de mãe pra se vingar de mim,
e ‘ocê’ sabe disso!
- Yeah, yeah, que
seja. Mas o que te custa pelo menos fingir que consegue ficar numa boa com ela
uma ou duas vezes por ano? Pelo menos ‘ocê’ ainda tem uma família pra poder
implicar com ela. Ao contrário de mim, que faz mó tempão que fugi de casa e mãe
sequer se preocupou em pôr minha foto numa caixinha de leite. Nem meus e-mails
Dna. Maria Ibanez nunca se deu ao luxo de responder!
- ‘Ocê’ sempre precisa
trazer tia Maria pro meio da discussão, né?
- Vê se, pelo menos,
não faz Clá chorar tanto dessa vez, right?
- Hmpf, ‘Right’...-
Ela responde sem um pingo de convicção e ainda curte com minha cara.
Recheei o pãozinho
tostado com quase meio pote da geléia, e só faltei esfregar na cara de tanta
gula. Esse doce só pode ser feito com tecnologia extraterrestre, simplesmente
não pode caber tanta delícia numa comida só! ‘Ê, trem bão’!
- Sabe de uma coisa,
Lexi?
- Hum?
- Ontem à noite,
enquanto ‘ocê’ comia até quase desmaiar na mesa, fiquei pensando... A gente
vive mal, come mal, mora muito longe, administra mal nosso tempo e nosso
dinheiro. Esse estilo de vida tá acabando com ‘nóis’. ‘Ocê’ e eu temos problema
com a família. Sua mãe sempre te desprezou. Depois que papai me ‘trancou’ aqui
no posto, nunca mais falei com ele, e já são dez anos de sofrimento dentro
desse prédio caindo os pedaço. Sem falar que mãe vive passando na minha cara os
feitos maravilhosos da pestinha da Clarissa! Família não devia ser assim! Nem
chegamos aos 40, e ‘óia’ só como a gente já tá frustrada com a vida, cumádi!
- Well, como seu pai
costumava dizer... Tá com problema?- Abri uma lata de cerveja- Tá aqui a
solução!
- Mas a vida não pode
ser só isso, Alexia! ‘Óia’,nós ainda é mais ou menos jovem, bonita e talentosa.
‘Ocê’ então, nem se fala. A gente não pode viver assim pra sempre, só com o de
comer ‘malemal’ garantido e uns quatro, quando muito cinco showzinhos por mês.
Escuta, por que a gente não faz um acordo?
- Acordo?
- ‘Nóis’ podia se dar,
sei lá, um mês. A primeira oportunidade que aparecer na nossa frente, qualquer
que seja, ‘nóis garra’ e mergulha de cabeça nela, OK?
- Kurt Cobain...
- Mas tem de pegar
firme a oportunidade e não largar de jeito ou maneira, tá bom?
- Vá lá... Fechado!
Nos abraçamos, como as
grandes amigas que sempre fomos. De repente ouvimos uma batida vinda do
banheiro dos homens, e um aguaceiro correu pela fresta da porta.
- Ah, meu deus...
-Bárbara lamenta- Será que o cano do esgoto estourou de novo?
Eis que Uli saiu do
banheiro, todo molhado e cheio de papel-toalha molhado colado pelo corpo.
-Ah, é só o
Ulysses...- Abaixei a cabeça e voltei a comer.
- Eu não lembro ter
dito que o banho tava liberado, ô saci de duas pernas!
- Que banho, gata?
Fazia umas três semanas que eu não escovava os dentes, escorei na pia pra
escovar e de repente ela ‘rancou’ da parede.
- Santa paciência...
‘Óia’, Ulysses. A gente tem de ir encomendar umas coisas pra abastecer o
restaurante e chamar um bombeiro pra consertar a bagunça que ‘ocê’ fez. Sua
carroça aguenta o peso de três pessoas?
- Claro que ‘guenta’,
Barbie! Querem carona?
- Óbvio, né? Mas o
conserto da pia é ‘ocê’ quem vai pagar!
- Not a problem!
Em meia hora minha
prima tirou o uniforme e se vestiu. Posso dizer que talvez não seja a única em
minha família agraciada diariamente com dádivas dos deuses da ironia. Não entra
em minha cabeça como uma mulher tão azeda e antissocial como a Bárbara só gosta
de usar essas roupas espalhafatosas de riponga... Agora mesmo, ela desceu do
quarto com uma blusa tão enfeitada que ficou parecendo uma sombrinha de dançar
frevo com pernas. Antes de subirmos na jamanta de Ulysses, ele sacou uma folha
de jornal toda desbotada do bolso do seu paletó roxo, também todo puído e
desbotado, dobrada no formato de uma carteira.
- Seus dez pelo
pernoite, Barbie.
- Brigada.
- A propósito, é dez
real a carona.
- Já vou te pagar,
saci...
Ulysses caprichou em
seu sorriso irresistível, mas Barbie não quis nem saber: Enfiou-lhe uma
joelhada na barriga.
- Cala a boca e
dirige!
- Nnnnnnooooot a
proooooblemmm...- Ele quase desmaiou. Depois ela agarrou o pulso dele com a
força de uma prensa hidráulica que até eu senti, pois sua mão boba tentava
alcançar novamente a coxa dela. Gente, pra que esse exagero, prima?
Alexia, sua não tão
confiável narradora.
*
Escritor e designer gráfico. Contatos:
HTTP://www.facebook.com/fernandoyanmar.narciso
cyberyanmar@gmail.com
Conheçam
meu livro! http://www.facebook.com/umdiacomooutroqualquer
Essa roqueira come o final das palavras, como alguns mineiros o fazem.
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