Breve
crônica sobre o amor
* Por Evelyne
Furtado
O poeta Ferreira Goulart, em depoimento
no delicioso documentário sobre Vinícius de Morais, de Miguel Faria Júnior, diz
que a vida tem que ser inventada para ter sentido e que o nosso poetinha deu definição à sua
(vida) amando. Concordo, com ambos. Alguns de nós temos que encontrar razões
para dar sabor à nossa passagem por aqui.
Há os que elegem o poder ou o dinheiro.
Outros o trabalho, a família ou uma religião. Há, ainda, os se apegam a uma
ideologia, um vício ou até um time de futebol para se motivar a viver.
Acredito que a fé em Deus, a família e
o trabalho são belos motivos. O sexo e outros prazeres são agentes motivadores,
também, mas o amor... Ah, o amor! O amor tem um poder imensurável e veste de
lirismo a árida jornada do homem no planeta.
Cultivo meus valores e aposto no amor,
assim como aposto na. fé em
Deus. Elejo-os como alicerces. Creio no amor filial, materno
e paterno, fraterno, universal e romântico.
Todavia, peço licença ao leitor para
tratar aqui do amor romântico. Esse sentimento cantado em verso e prosa há
milênios. O Cântico dos Cânticos de Salomão, no Antigo Testamento, é uma
belíssima elegia ao amor erótico e desmente os defensores da tese de que ele, o
amor romântico, é novidade entre nós. Na verdade, o sentimento sempre existiu,
apenas era reprimido por outros valores, mas esse é assunto para outro texto.
Segundo Freud, somos movidos por dois
impulsos: Eros, que representa vida, e Tânatos, que simboliza a morte, ou a
inexistência do prazer de viver. Quando amamos e somos amados vivemos
plenamente e Eros nos conduz; no entanto, a ausência do objeto amado nos rouba
a alegria de viver e, nesse momento, Tânatos é a força que atua.
Shakespeare, em Os Dois Cavalheiros
de Verona, comparou a separação da amada à morte, como vemos nesses lindos
versos:
“Morrer é ser banido de mim próprio; e
eu sou Silvia.
Estar de Silvia banido é estar banido
de mim mesmo. Banimento mortal!
Que luz é luz, se Silvia não foi vista?
Que alegria é alegria é alegria, se
Silvia estiver longe?”
O amor é luz, sim. E sou testemunha de
que a visão do ser amado atua como um raio de sol em meio à neblina e chega ao
coração, iluminando o rosto, aquecendo a pele e fazendo festa na alma. Quem ama
ou amou uma vez na vida conhece essa sensação. Encontros de amor são das mais
belas celebrações à vida.
Nesse mundo, cada dia mais pragmático,
consumista e globalizado, ser romântica é ser anacrônica, porém se tenho que
“inventar” um motivo para viver, invento o amor. Melhor, eu vivo o amor e
recebo suas manifestações como dádivas divinas.
Em tempos de violência, corrupção,
desrespeito, mentira e outras mazelas, o amor de verdade é salvação para as
dores que afligem corações e almas.
E para concluir essa breve crônica
sobre o amor, volto a Shakespeare, em versos extraídos do clássico Romeu e
Julieta, que definem o tema e compensam o leitor pela leitura desse texto
modesto, porém sincero.
“O amor é fumaça formada pelos vapores
dos suspiros.
Purificado, é um fogo chispeante nos
olhos dos amantes.
Contrariado, um mar alimentado pelas
lágrimas dos amantes.
Que mais, ainda? Loucura prudentíssima,
fel que nos abafa, doçura que nos
salva."
* Poetisa e cronista em Natal/RN
Nós e o amor romântico com as surras que ele nos dá. Ainda assim, preferimos viver apanhados, do que sem amar. É um pouco como o moço que diz que anda todo arranhado mas não larga a sua gata.
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