Tereza Batista cansada de guerra
As personagens femininas criadas por Jorge Amado (pelo menos
a maioria delas), têm algumas características comuns. Emergem, por exemplo, das
camadas populares, daquelas famílias mais pobres, na verdade miseráveis, que
sobrevivem no sertão nordestino, assoladas por periódicas secas, cuja luta pela
sobrevivência é heroica epopéia. São apresentadas precocemente ao sexo. São
estupradas ainda muito meninas e não raro são “vendidas” pelos pais ou tutores a
algum coronel, como recurso desesperado e derradeiro para sobreviverem. Algumas
acabam parando em prostíbulos, para satisfazer caprichos lúbricos de poderosos,
que ademais não vêem nelas seres humanos, mas objetos para seu prazer. Todavia,
reagem, com os recursos naturais, instintivos que têm, com uma força interior
imensa e insuspeitada e mudam de vida. Revelam-se figuras humanas magníficas, inspiradoras
e exemplares, no sentido de jamais se entregarem às circunstâncias, por mais
trágicas que pareçam e que sejam.
Uma dessas personagens femininas inesquecíveis, pelas quais
o leitor se apaixona ao final da leitura do romance que protagoniza, é Tereza
Batista. Sua trajetória, no enredo nu e cru engendrado por Jorge Amado, que é
tão real que parece que estamos testemunhando situação verídica e não uma trama
de ficção, pode ser resumida assim: “Órfã de pai e mãe, a menina, no verdor dos
seus treze anos de idade, é vendida pela tia Felipa a Justiniano Duarte da
Rosa, o capitão Justo, que tinha predileção por menininhas muito novas e,
evidentemente, virgens, que, sdem nenhum constrangimento, a estupra. Nas terras
dele, a garota indefesa é tratada não como pessoa, mas como “propriedade”, da
qual se dispõe como quiser, sem dever explicações a ninguém. Inclusive, ou
principalmente, do ponto de vista sexual. Mas Tereza irá lutar até o fim contra
as dominações a que se vê submetida”.
Por meio dessa, mulher guerreira e inteligente, calejada
pela vida de violências físicas e sexuais, Jorge Amado denuncia, no livro “Tereza
Batista cansada de guerra” – romance publicado em 1972 – sobretudo a condição da mulher em algumas
regiões da Bahia em meados do século XX. Será que as coisas são hoje muito
diferentes? E não especificamente na região que serviu de cenário para essa
trama, mas nos tantos grotões esquecidos, deste país continente? Ora, ora, ora.
E nem precisa tanto. Nas grandes cidades brasileiras, milhares de meninas são
vítimas, volta e meia, do tal “turismo sexual”. Amiúde, surgem, nas imprensa,
denúncias de políticos, que “compram” menininhas virgens para serem
desvirginadas por esses criminosos tarados e seus amigos, tão torpes quanto
eles. Mas... esses casos são logo abafados e não se fala mais nisso.
O livro de Jorge Amado já foi traduzido para alemão, árabe,
coreano, eslovaco, esloveno, espanhol, francês, grego, hebraico, holandês,
inglês, italiano, norueguês, polonês, turco e vietnamita e raro é o leitor, não
importa de que nacionalidade, que não se revolta com o tratamento dado pelos
poderosos às meninas pobres e que não se apaixonam pela personalidade e espírito
de luta de Tereza Batista, que, compreensivelmente, “cansou-se de guerra!
“Essa mulher guerreira, que apesar das vicissitudes e dramas
não abre mão da esperança e da alegria de viver, apaixona-se por Daniel. Para
ficar com ele, mata o capitão que a comprou e a estuprou. Todavia... seu amado
a abandona. Na prisão, Tereza é atendida pelo advogado Lulu dos Santos, por
ordem do dr. Emiliano, que se compadecera dela numa visita que fizera ao seu
então “dono”. Resgatada, ela passa por breve período de paz, até que seu novo
protetor morre, deixando-a sem guarida. A partir daí, passa a se prostituir e
conhece um pescador com quem vive lindo romance. Mas... esse novo amor também
some de sua vida. Tereza vai para Salvador e passa a cantar num cabaré. Conhece
outro homem e decide se casar com ele. Todavia seu grande amor, o pescador,
retorna, e agora ela fica dividida entre os dois”.
Como a história termina? Desculpem-me, mas mais não direi.
Quem quiser saber o desfecho, que leia o romance. Jorge Amado escreveu o
seguinte sobre esta mulher sofredora, mas determinada, que verga, mas nunca
quebra: "Difícil para Tereza foi aprender a chorar, pois nasceu para rir e
alegre viver. Não quiseram deixar mas ela teimou, teimosa que nem um jegue essa
tal Tereza Batista. Mal comparado, seu moço, pois de jegue não tinha nada afora
teimosia; nem mulher macho, nem Paraíba, nem boca suja – ai, boca mais limpa e
perfumosa! –, nem jararaca, nem desordeira, nem puxa-briga; se alguém assim lhe
informou, ou quis lhe enganar ou não conheceu Tereza Batista. Tirana só em
tratos de amor; como já disse e reafirmo, nasceu para amar e no amor era
estrita. Por que então a chamaram de Tereza boa de briga? Pois, meu compadre
exatamente por ser boa de briga, igual a ela não houve em valentia e altivez,
nem coração tão de mel. Tinha aversão a badernas, nunca promoveu arruaças mas,
decerto pelo sucedido em menina, não tolerava ver homem bater em mulher”.
Contudo a melhor definição dessa personagem feminina
absolutamente inesquecível foi a dada por dona Eulália Amado, mãe de Jorge
Amado, que afirmou o seguinte, tempos atrás, em um depoimento: "[...] eu,
Eulália Leal Amado, Lalú, na voz geral da bem-querença, lhe digo, meu senhor,
que Tereza Batista se parece com o povo e com mais ninguém. Com o povo
brasileiro, tão sofrido, nunca derrotado. Quando o pensam morto ele se levanta
do caixão". E não é?!!! Queiram, ou não, o brasileiro nunca desiste, pois
tem como profissão (parodiando o título de uma peça teatral muito famosa) a
ESPERANÇA.
Boa leitura.
O Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Nenhum comentário:
Postar um comentário