Talento dos Pampas
O livro é primoroso, obra-prima do gênero romance histórico,
tão pouco explorado no Brasil. A autora é pouco citada, e, portanto, não muito
conhecida (pelo menos não como merece). Entre os que a citam, muitos tratam
esse raro talento dos Pampas como “marinheira de primeira viagem”, o que ela
não é, pois aos 43 anos de idade (completados em 4 de junho de 2015), ostenta
considerável obra literária, com dezoito livros publicados, quatro dos quais
voltados ao público infanto-juvenil. Talvez seu sobrenome, de origem polonesa,
atrapalhe melhor divulgação. Talvez... Se for, não deveria ser. Refiro-me à
escritora gaúcha, nascida em Porto Alegre, Letícia Wierzchowski.
O romance histórico que citei, e que, reitero, é obra-prima
do gênero, é “A casa das sete mulheres” (espécie de biografia romanceada do herói
farroupilha Bento Gonçalves). Ou, mais especificamente, brilhante relato de
episódios de um evento que passou para a História do Brasil como “A guerra dos
Farrapos”. Ou, mais especificamente ainda, como o próprio título do livro
indica, retrospecto ficcional das peripécias das sete mulheres da família do
líder gaúcho e da “heroína de dois continentes”, Anita Garibaldi, que aparece,
apenas, incidentalmente na trama, mas que foi tão importante no contexto
narrado, que pode e deve ser considerada protagonista, de fato e de direito,
dessa obra.
Este é daqueles assuntos que não podem ser tratados de forma
resumida, em meia dúzia de comentários apressados – por maior que seja meu
poder de síntese – sob pena de arruiná-lo, de perder várias informações
relevantes (provavelmente as melhores) que o envolvem. Por isso, tratarei do
livro, e da autora, em mais de um texto. Quantos? Não sei! Vai depender da
minha capacidade de observação, percepção e exposição que, a rigor, confesso,
desconheço.. Espero ser cuidadoso (e competente) o suficiente para não
desperdiçar um tema tão rico e desafiador como este.
Letícia tardou para, não digo descobrir, mas para exercitar
seu imenso talento literário. Como o pai, polonês, era (não sei se ainda é, mas
presumo que sim) construtor (como o meu também foi), pensou em cursar
arquitetura. Até iniciou o curso, porém não o completou. Sua vocação era
arquitetar, sim, mas não casas ou edifícios oui pontes ou viadutos etc.etc.etc.,
mas enredos. Todavia, até então, não sabia, embora talvez (certamente?)
desconfiasse. Mas tinha que se definir na escolha de uma profissão. Afinal, como
diria Cazuza, “o tempo não para”. Tentou, pois, a atividade de empresária,
abrindo microempresa de confecção de roupas. Não era este ainda, no entanto,
seu caminho. Passou, então, a trabalhar no escritório da construtora do pai.
Nas horas vagas, começou a escrever ficção. E... bingo!! Descobriu, afinal, seu
caminho. Felizmente (para nós, leitores). Não sei se felizmente para ela
também, já que Literatura, no Brasil, salvo raríssimas exceções, está longe de
ser atividade rentável, e por isso, atrativa. Aliás, muito pelo contrário.
Não tardou para Letícia lançar seu primeiro romance, “O anjo
e o resto de nós”, o que fez em 1998. O livro fez relativo sucesso, tanto que
foi relançado três anos depois, em 2001. O enredo trouxe à baila a saga da
família Flores. A história é ambientada no interior gaúcho nos primeiros anos
do século XX. No ano seguinte, em 1999, viria o segundo livro de Letícia: “Prata
do tempo”. Já o terceiro tem uma história que não deixa de ser pitoresca. Para
narrá-la, peço licença para reproduzir, na íntegra, a versão exata que consta
na enciclopédia eletrônica Wikipédia:
“A escritora gaúcha Martha Medeiros sugeriu a leitura do
primeiro romance de Letícia a um amigo paulistano de naturalidade gaúcha e
descendente, como Letícia, de poloneses. O publicitário Marcelo Pires gostou
tanto do livro que enviou, em dezembro de 1998, um e-mail à autora e ambos
passaram a se corresponder regularmente pela rede. Menos de um ano após a
primeira mensagem, em 17 de setembro de 1999, Letícia e Marcelo casaram-se. Na
cerimônia de casamento, o casal distribuiu aos convidados um pequeno livro com
algumas das mensagens trocadas por eles. Um dos participantes da festa, o
editor Ivan Pinheiro Machado, da LP&M, acreditou que o livro poderia fazer
sucesso e lançou uma edição comercial. Nascia assim, em 1999, o livro “Eu@teamo.com.br,”
que teve suas duas edições rapidamente esgotadas”.
Como se vê, não exagero ao exaltar o talento literário de
Letícia. Temo, isto sim, estar sendo até parcimonioso ao apontar seus méritos.
O grande sucesso dessa escritora tão competente é, justamente, seu quarto
romance, “A casa das sete mulheres”, datado de 2002. Sua adaptação para a televisão contribuiu e
ao mesmo tempo atrapalhou a trajetória de seu livro. “Como assim?!”, perguntará
o leitor, desconfiado do meu julgamento. Explico.
A escritora Maria Adelaide Amaral fez uma adaptação tão
perfeita do enredo, que até hoje muita gente acha que ela é a autora dessa
história, e não Letícia. O livro ensejou a produção de uma das mais memoráveis
e perfeitas minisséries já produzidas em televisão e não apenas no Brasil, mas,
sem exagero, no mundo. Essa produção da Rede Globo, este épico capaz de causar
inveja a Hollywood, foi exibida pela emissora entre 7 de janeiro e 8 de abril
de 2003, no horário das 23 horas. Foi soberbo!
Todavia, Letícia Wierzchowski não se acomodou com o sucesso,
como muita gente faria (e tantos fizeram e fazem) e não parou no tempo.
Publicou, depois de “A casa das sete mulheres”, outros catorze livros, dos
quais dez romances e quatro obras voltadas ao público infanto-juvenil! Quando
isso foi divulgado? Onde? Por quem? Responda com franqueza, esclarecido leitor,
você sabia desses detalhes? É ou não é complicado sequer se cogitar de viver de
Literatura no Brasil?!!! Ora, ora, ora...
Boa leitura.
O Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Esta mulher tem poder, ainda que se gaste um mês para decorar como se soletra seu sobrenome. Isso atrapalha demais. Se para os homens, o espaço na literatura é parco, referindo-me a rentabilidade, imagine-se para as mulheres? Na FLIP teve até mesa redonda para discutir o tema.
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