Falta
de “luz”
O “País da Luz” é o título de um dos
meus tantos livros de crônicas, a imensa maioria inédita. Este também jamais
foi publicado. Até hoje não entendo a
razão de tê-lo preterido quando surgiu a oportunidade de publicar nova obra. Na
época, não lhe dei o devido valor. Entendia que tinha coisas melhores, mais
profundas e úteis, para partilhar com o público. Deveria ter sido humilde e
pedido a opinião de alguém de bom gosto antes de tomar tal decisão. Mas... não
pedi. Dia destes, encaminhei a um amigo, crítico literário, pessoa que reputo
como de vasto conhecimento de Literatura, os originais (inéditos) do “País da
luz”. Esperava que ele viesse me soterrar com uma tonelada de imprecisões que
acreditava que viesse a encontrar no referido livro.
Enviei-lhe esses textos justamente por
conhecer sua fama de implacável crítico, desses Caxias, que nunca fazem
concessões a quem quer que seja, quando se trata de qualidade. Para minha
surpresa, recebi detalhado (e entusiástico) relatório, apontando inúmeras virtudes
que ele detectou no livro. Como deficiências detectou, apenas, meros erros de
digitação (simples troca de letras em determinadas palavras, o que ele
atribuiu, com razão, à pressa). Não deixou de criticar, como se vê. Não
criticou, porém, meu estilo, como eu esperava, nem os temas abordados, ou as
informações prestadas, enfim, o essencial: o conteúdo. Criticou, isto sim, meu “relaxo”
na revisão. Não deixou de ser chata, para mim, essa constatação, já que no
início da minha carreira jornalística fui revisor, tido e havido como dos
melhores pelos meus patrões. Pressa... Ah, como a afoiteza é implacável inimiga
da perfeição!
A avaliação positiva do livro, todavia,
e feita por alguém rigorosamente credenciado a avaliar, com o critério
requerido, obras literárias, comprovou-me, entre tantas outras coisas, que quem
escreve é o menos indicado para julgar o que escreveu. É como um médico, por
exemplo, querer curar as próprias doenças. Raramente dá certo. A obra que eu
julgava eivada de defeitos tinha, como deficiência única, apenas reles errinhos
de digitação, frutos de pressa e de distração, que, certamente, o revisor da
editora a que fosse encaminhada localizaria e corrigiria num piscar de olhos,
sem nenhum drama. Maldita insegurança!!!
Quando surgiu a oportunidade de
publicar novo livro (na verdade, foram dois), a editora queria que eles fossem
de gêneros diferentes. Para o de contos, optei por “Lance fatal” (e agora fico
na dúvida se fiz, também, escolha correta.
Desconfio que o indicado deveria ser “Passarela de sonhos”). Já quanto ao de
crônicas, fiquei na dúvida se publicava “Cronos & Narciso” ou “País da Luz”.
Minha intuição indicava que deveria ser o primeiro. Hoje não sei se fiz a
escolha adequada. Provavelmente, não. O tal amigo detestou o livro que foi
publicado. Garantiu que se fosse consultado, indicaria, sem pestanejar, aquele
que preteri. Achou “Cronos & Narciso” um tanto pedante, mesmo reconhecendo
méritos literários mele. Mas desmanchou-se em elogios sobre “País da luz”.
Lembro que este livro começou a nascer
quando ouvi determinada canção de Chico Buarque de Holanda (que nem é das suas
composições mais conhecidas), que tem, em determinado trecho, estes versos:
"A
novidade
que
tem
no
Brejo da Cruz
é
a criançada
se
alimentar da luz".
Achei, na ocasião, e acho muito mais
ainda hoje, esses versos magníficos, verdadeira pintura, posto que feita com
este instrumento frágil (e que nos fornece tão poucos recursos para criar) que
é a palavra. Trazem uma carga poética imensa em sua simplicidade. Despertam,
sobretudo, nossa "imaginação". Ou seja, nossa capacidade de transformar
conceitos abstratos em imagens (que é o significado do termo). E trazem um
elemento essencial à vida (animal ou vegetal), como a conhecemos, e à percepção
do próprio mundo e de tudo o que nos cerca: a luz.
Sabe-se que nas profundezas abissais dos
oceanos há um peixe que vive na absoluta escuridão. Por não precisar, não tem
olhos. Para quê? No ambiente escuro em que habita não poderia mesmo ver! E a
natureza é sumamente sábia....e prática. Não faz nada que seja supérfluo.
Qualquer órgão que não seja utilizado, finda por se atrofiar, até desaparecer.
O homem, por exemplo, tem vestígios de guelras, herdadas dos antepassados que
teriam vivido no mar. Hoje, esse órgão não teria qualquer função para o ser
humano. Daí ter se atrofiado a tal ponto de ser quase imperceptível.
Todos nos "alimentamos" de
luz... Aqui ou no "Brejo da Cruz". Mais ainda o artista, comprometido
em reproduzir e, quando possível, criar beleza. Ou em sugeri-la, para que o
leitor, ou o apreciador de um quadro ou de uma escultura, a projetem em imagem.
Ou seja, "imaginem" um cenário qualquer. Arte, portanto, é antes de
tudo sugestão. É sempre, no mínimo, um dueto. Requer uma parceria: a do autor e
de seu consumidor. Jamais um mesmo quadro, por exemplo, vai ser visto e
interpretado da mesma forma por duas pessoas. Ou um poema será sentido de
maneira igual. Ou uma sinfonia despertará idênticas emoções e fantasias. A arte
é, em essência, coletiva.
Luz...Três simples letrinhas no nosso
idioma com significado, função e mistério tão transcendentais! Nada a supera em
velocidade (300 mil quilômetros por segundo). Os cientistas ainda não definiram
com precisão sua natureza. É matéria? É energia? É ambos? Não é nenhum dos
dois? Ninguém pode afirmar nada a seu respeito. Seus raios são dotados de
determinada quantidade de calor. Concentrados (lasers ou masers), são
poderosíssimos. Cortam uma chapa do mais duro dos metais (titânio, aço, etc.)
como se fosse um tablete de manteiga. Os místicos associam-na à divindade ou à
glória divina.
"Luz, quero luz. Luz na janela,
nas ruas, no mar, no coração de todo mundo. Luz na cabeça dos que nos
(des)governam". Estas palavras não são minhas. São de uma crônica de
Antônio Torres, publicada no caderno "Idéias", do "Jornal do
Brasil" do Rio de Janeiro, em 5 de janeiro de 1992, destas que nunca
perdem a atualidade. Ou seja, escrita em pleno verão, o período do ano marcado
pela descontração e pela alegria de viver. É a época em que, como a criançada
do Brejo da Cruz, quebramos nosso jejum nos "alimentando de luz"... Da
luz mental que me faltou ao manter inédito um livro com tão valioso “atestado
de qualidade”.
Boa leitura.
O Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Agora vai! E seus leitores terão alimento por alguns dias.
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