Corcovado de Notre Dame
* Por
Marcelo Sguassábia
Ser corcunda não é
fácil. Até a palavra soa pejorativa. Muita gente não sabe, mas corcunda é o
mesmo que corcovado. E foi assim, consultando um dicionário para saber um pouco
mais de mim mesmo - um corcovado de nascença, que me veio a ideia para ganhar a
vida. Ou melhor, que me permitiu sobreviver, mal e porcamente, graças ao famoso
cartão postal carioca, onde batia ponto das 8 da manhã às 10 da noite.
Incluindo sábados, domingos e, principalmente, feriados.
Os turistas tiravam
fotos minhas de perfil, em posição análoga à do Corcovado, e depois pagavam
pelo monóculo. Parecia algo sádico, com requintes de humor negro, e a intenção
talvez fosse essa mesmo. Era uma humilhação assumida e consentida, por ser meu
ganha-pão. Quantos bocós eu vi e ouvi exclamando, cheios de incabível orgulho,
após tirar minha foto junto ao meu gêmeo de pedra: " Ha, ha, ha, ha, ha, ha! Deixa o
pessoal lá do escritório ver isso!"; ou então: "A Maria das Graças
não vai acreditar... ha, ha, ha, ha, ha, vai se matar de rir com essa!".
Somos os dois
parecidos, e ao mesmo tempo opostos. O Corcovado lindo por natureza, e eu
horrível por um descuido dela. Lamentações à parte, assim se passaram alguns
anos de temporada no célebre morro. Até que uma crise econômica brava se abateu
literalmente em minhas costas, e ninguém mais queria torrar seu contado
dinheirinho com retratos de corcunda. Havia possibilidades esteticamente mais
interessantes para gastá-lo, ainda mais em se tratando da Cidade Maravilhosa.
Estava eu nesse estado
de pré-miséria quando o Totonho das Mercês, colega de turma de Crisma e morador
do Realengo, veio com a redentora solução: ir para Paris e encarnar o famoso
Corcunda de Notre Dame na porta da Catedral de mesmo nome. Pesquisando,
descobri que Notre Dame é a segunda atração mais visitada da capital francesa,
só perdendo para a Torre Eiffel. Em número de turistas/dia, deixava o Corcovado
no chinelo.
Assim resolvido,
comprei minha passagem de ida e segui a caracterização do personagem, conforme
o livro de Victor Hugo. Depois montei uma tabela de preços e a afixei,
obviamente, sobre o meu defeitinho congênito. O faturamento tem dado para o
gasto, não posso me queixar do apartamento de 3 quartos no melhor ponto de
Saint German, do Citroen 0km e da casa de praia em Cannes. Seguem abaixo meus
honorários, sem desconto para grupos.
Foto do corcunda
sério: 1 euro.
Foto do corcunda
sorrindo: 1 euro e meio.
Foto junto com o
corcunda sério: 3 euros.
Foto junto com o
corcunda sorrindo: 4 euros.
Foto ou vídeo de
criança na carcova do corcunda: 7 euros.
Foto ou vídeo de
criança maiorzinha ou de marmanjo anão na carcova do corcunda: 8 euros.
Voltinha em torno da
Catedral montado no corcunda: 14 euros.
Subida ao campanário
de Notre Dame, em visita guiada pelo corcunda: 20 euros.
Corcunda Strip Tease,
toda quinta às 23h no Moulin Rouge: 35 euros por pessoa (adesões com pagamento
antecipado na barraquinha de crepe ao lado da igreja).
Algo mais com o
corcunda, em moita discreta no Bois de Bologne: 110 euros.
* Marcelo Sguassábia é redator
publicitário. Blogs: WWW.consoantesreticentes.blogspot.com
(Crônicas e Contos) e WWW.letraeme.blogspot.com
(portfólio).
Três na lista: o belo, o feio e o corcunda. O grotesco também tem seu grau de charme e atração.
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