domingo, 5 de julho de 2015

A amante fiel


* Por Celamar Maione
  

Heleneide se olhou mais uma vez no espelho, passou batom, apertou os lábios, ajeitou os brincos e foi ao encontro de Osório.

Quando chegou no restaurante, pediu uma mesa ao garçom e não tirou os olhos da porta. Assim que avistou o namorado, abriu um sorriso.  Osório se aproximou e beijou Heleneide no rosto.  Estava muito agitado:
-Não posso demorar. Estou no meio do expediente. Precisamos conversar e não pode passar de hoje.
Heleneide apertou  as mãos preocupada:
-Você me assustou  com sua urgência . O que houve?
-Antes  precisa  me prometer que vai ficar calma.
-Eu estava calma.  Agora fiquei nervosa. Anda Osório, fala!

Osório respirou fundo e saiu-se com essa:
-Caso-me amanhã, Heleneide. Pronto, falei.
-Como ??!!
-Caso-me amanhã!
-Casar amanhã?! Não entendi. Que brincadeira de mau gosto é essa? Que eu saiba, você é meu namorado. Namoramos há sete  meses....e...
-Eu sei, eu sei, mas quando conheci você, já era noivo. Tentei terminar o noivado. Não consegui. Sabe como é, coisa de infância. Família envolvida.
-Você me fez de palhaça durante todo esse tempo?!

Heleneide  aumentou o tom de voz.
-Heleneide, controle-se. Estamos num restaurante no centro da cidade na hora do almoço.  Não quero chamar a atenção. Eu tenho uma proposta para fazer.
-Proposta?! Depois de me dizer que casa amanhã você tem uma proposta para me fazer?! ---Vai me convidar para ser madrinha?
-Podemos ser amantes. Volto da lua-de-mel e continuamos nossa relação.

Heleneide não sabia se ria ou se chorava. De repente tudo girou. O restaurante perdeu o foco. “Pela  manhã, tinha um namorado”, pensou. “Na hora do almoço, o namorado diz que vai se casar e propõe que sejam amantes”. Não entendeu nada. A boca amargava. Pegou a bolsa e se levantou:
-Almoça sozinho. Preciso pensar.

Osório comeu em silêncio. Pediu a conta e voltou para o trabalho. Enquanto isso, Heleneide vagava pelas ruas do centro. Colocou os óculos escuros para chorar melhor. Parava em frente às vitrines com o pensamento longe. Queria entender o que acontecera. Jamais desconfiou de nada. Osório foi perfeito. Era mesmo um profissional da infidelidade.

No final da tarde ligou para o namorado:
-Preciso falar com você. Desce aqui.
- Cinco minutos e já desço.

Encontraram-se. Heleneide tinha lágrimas nos olhos. Teve vontade de agarrar Osório e implorar  para não se casar, mas pediu outra coisa:
 - Posso pedir uma última coisa?
-Até duas. Caso, mas não sumo. Você será minha amante fiel.
-Só se você realizar um pedido. Um único pedido.
-Peça.
-Quero um pedaço de bolo do seu casamento.
-Pedaço de bolo? Como assim?
-Vou ao casamento e você me entrega o bolo do lado de fora da Igreja, durante a festa. Simples.
-Não. É perigoso.
-Então nada feito. Não serei sua amante. Não me procure mais.
-Tá. Eu topo.

Á noite,  Heleneide  desabafou com Marinalda . A amiga achou absurda a história do bolo:
-Tem certeza?
-Absoluta. Pelo menos me vingo: como o bolo da noiva do Osário!

Heleneide deu um sorriso satânico que assustou Marinalda.  Marinalda percebeu uma certa estranheza no olhar da amiga . “A notícia do casamento mexeu com Heleneide”, pensou.

No dia seguinte, Marinalda acompanhou Heleneide até a Igreja e receosa perguntou:
-Se Osório não aparecer? Você vai aprontar alguma?
-Não. O castigo dele está guardado. Quando acontecer você vai saber. Sou ou não sou a amante fiel?

Marinalda sentiu medo de Heleneide. Um arrepio perpassou-lhe o corpo. Percebeu naquela instante que Heleneide não estava no juízo perfeito. Enquanto isso, durante a festa, Osório tentava arranjar um jeito de escapar para falar com  Heleneide. Quando pegou o pedaço de bolo e saía para entregá-lo, foi puxado pela noiva:
-Amor, aonde é que você vai com esse bolo?
Osório disfarçou:
-Vou dar para uma mendiga na porta da Igreja. Promessa.

A noiva pegou o bolo, entregou para o garçom e beijou Osório:
-Vem, deixa para outro dia. Minha família quer tirar a última foto.

Osório olhou para a porta do salão da Igreja, preocupado. Tinha medo de escândalos. Lá fora Heleneide perdia a paciência. Marinalda tentava acalmá-la:
-Não é melhor irmos embora?
-Não. Ele prometeu. Se daqui a 15 minutos não aparecer, entro lá e armo um barraco.

Osório só conseguiu se desvencilhar da noiva quando ela se distraiu com os familiares. Olhando para os lados e se esgueirando pelos cantos, foi ao encontro de Heleneide:
- O bolo. Missão cumprida.
-Agora me dá um beijo.
-Não posso.
-Dá um beijo. Se não beijar...
-Tá bom. Tá bom.

Os dois se beijaram e Osório, apressado, se despediu de Heleneide, prometendo procurá-la quando chegasse da lua-de-mel. Durante o caminho para casa, Marinalda perguntou:
-Não vai comer o bolo?
-Detesto bolo de maracujá. Vou jogar na lixeira!

Novamente a risada satânica da amiga assustou Marinalda. Assim que Osório chegou  de viagem, ligou para Heleneide:
-Estou de volta. Não disse que  ligava?
-Quero me encontrar com você. Agora. Já!
-Amanhã.
-Hoje. Estou com saudades.

Osório obedeceu. Heleneide vestiu a melhor roupa e passou o perfume preferido de Osório. Arrumou tudo como planejara.  Antes de sair, fez uma ligação. Quando se viram, se abraçaram. Osório entregou um presente para Heleneide:
-Viu? Pensei em você. Veja se gostou do brinco.
-Lindo, amor! Adorei! Vou colocar já.
-Não disse que você seria minha amante fiel?
-E sou.  Apenas sua.

Osório não percebeu a ironia na voz. Tiveram uma tarde de amor inesquecível. Logo voltaram à realidade:
-Heleneide, acabou-se o que era doce. Sou um homem casado. Tenho hora.Vamos?
-Claro, amor. Mas antes tenho uma surpresa para você.

Heleneide vendou Osório.
-Vê lá o que você vai aprontar sua danadinha.
-Você vai gostar. Surpreeesaa!!

Heleneide tirou um facão da bolsa e cortou o pênis de Osório. Osório deu um grito alucinado e desmaiou. O sangue jorrava. Heleneide pegou o pênis do amante, foi até o banheiro, jogou no vaso e apertou a  descarga. O telefone soou, estridente. Heleneide atendeu:
-Pode deixar subir.

Heleneide abriu a porta e sorriu para Samara, repórter de um jornal sensacionalista:
- Entra, vou contar minha história para você.

*Radialista, jornalista e escritora.



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