Personagem inesquecível na avaliação
feminina
O escritor checo, Milan Kundera – nascido na cidade de Brno
em 1º de abril de 1929 e naturalizado francês desde 1980, cinco anos após haver
se mudado para Paris, onde fixou residência – é um dos meus autores preferidos, pela
profundidade de suas colocações em seus dez romances publicados (o mais recente
é “A festa da insignificância”, lançado em 2014) e em outros gêneros pelos
quais incursionou. É impossível permanecer indiferente após a leitura de
qualquer de seus livros. Não entendo como ele ainda não foi agraciado com o
Prêmio Nobel de Literatura, do qual é fartamente, de sobejo, merecedor. Aliás,
já pautei uma abordagem mais completa sobre sua trajetória pessoal e,
sobretudo, sobre sua obra, que me proponho a fazer oportunamente.
Pois é de um dos seus romances, o mais popular deles (que
foi transformado em filme de relativo sucesso), “A insustentável leveza do ser”,
que emerge a segunda mulher citada na série “Catorze personagens femininas
inesquecíveis”, organizada pelo site “Homo Literatus” (WWW.homoliteratrus.com). Trata-se de
Tereza, figura das mais marcantes que, ao mesmo tempo em que fascina, intriga
por seus gostos, opiniões e, principalmente, atitudes. Ela é a escolha da
jornalista Marcela Guther que, entre outras coisas, é colaboradora onipresente
desse espaço da internet que elaborou a polêmica, no entanto oportuna consulta
sobre personagens femininas inesquecíveis.
Lembro – para que não se perca a perspectiva destes
comentários – que a pesquisa do site reúne catorze especialistas em Literatura,
todos, obviamente, leitores compulsivos, que têm que escolher apenas uma única figura
(num universo de milhões ou mais) que considere inesquecível. E deve justificar
a escolha, claro. No caso de Marcela, é “mulher escolhendo mulher”. É, portanto,
visão (suponho) diferente da masculina. No meu caso é. Por que? Porque entre as
personagens femininas desse romance, a que mais me marcou, e que se tornou,
portanto, “inesquecível”, não foi propriamente Tereza, embora esta não deixe de
me impressionar. Foi Sabina. Todavia...
Marcela Guther justifica assim sua opção: “Se fossemos
definir em uma palavra quem é Tereza, personagem criada por Milan Kundera para
estrelar ‘A insustentável leveza do ser’, dificilmente escaparíamos de ‘intensidade’.
Tereza é uma mulher sensível e forte ao mesmo tempo. Carrega dores e traumas.
Chora e sofre por ciúmes. O maior defeito de Tereza é amar demais. O amor, em demasia,
entra em seu inconsciente durante a noite e a faz sonhar com todas as traições
(ou ‘amizades eróticas’) de Tomas, seu parceiro”. Não há dúvidas que se trata de
mulher “especial”, dessas que gostaríamos de ter ao nosso lado, (uma espécie de
“Amélia”, ainda que mal comparando) caso fossemos apaixonados por ela.
Todavia, para mim, Sabina é mais verossímil. Entendo
que personifica a caráter o conceito que
Kundera tratou com tanta habilidade: o de leveza. É um tanto amoral, pelos
conceitos vigentes. É capaz de trair o parceiro sem nenhuma dor de consciência,
mas o faz de forma franca (e, convenhamos, sistemática), Devotada à arte, e
extremamente sensível, Sabina manifesta seus desprezo e profunda insatisfação à
"feiura" – que se alastra pelo mundo, quer da cultura, quer da
sociedade e, sobretudo, quer da política, com seus engodos e corrupções – para
a qual a maioria das pessoas se mostra indiferente. Ela vê em Tomas o arquétipo
do anti-herói e é isso nele que a atrai.
Márcia complementa a justificativa de haver escolhido Tereza
como a figura feminina inesquecível dessa forma: “É uma personagem que tem o
costume de se observar durante um longo tempo na frente do espelho – não pela
vaidade, mas para descobrir-se além da imagem. Não é possível classificá-la como
‘peso’ ou ‘leveza’, termos que perpassam por toda a obra de Kundera. Tereza
permeia entre os dois estados, num emaranhado de contradições que a tornam uma
mulher fascinante, instigante e, consequentemente, apaixonante. Tereza é
dolorosamente humana”.
Embora se trate de um romance forte, instigante e original, “A
insustentável leveza do ser” não é, propriamente, meu livro preferido dos
tantos que li de Milan Kundera. Minha preferência recai, e com idêntico peso,
num “empate técnico”, sobre dois outros: “O livro do riso e do esquecimento”,
lançado em 1978 e “A imortalidade”, de 1990. Tive o privilégio e a satisfação
de comentar ambos neste espaço, e em mais de um texto para cada um. É
complicado, porém, definir qual o “melhor” livro do nosso escritor preferido,
como é o caso. Até porque, nenhum dos tantos que li pode ser classificado, nem
de longe, como “o pior”. Como não se encantar, por exemplo, com “A vida está em
outro lugar” (1973), “A valsa dos adeuses” (1976), “A lentidão” (1995), “A identidade”
(1997) e “A ignorância” (2000), além dos dois que elegi como meus prediletos e
do não menos excelente “A insustentável leveza do ser”? Só se meu gosto
literário fosse de medíocre para muito ruim!
Em suma: Tereza é, de fato, personagem feminina
inesquecível, embora, para o meu critério pessoal (personalíssimo) de
avaliação, insisto, Sabina leve ligeira vantagem. A diferença provavelmente
está nos critérios de escolha de um homem (no caso, eu) e de uma mulher (no
caso, minha colega de profissão, a jornalista Marcela Guther). Fiquemos assim:
ambos estamos certos e não se fala mais nisso. Afinal, nós dois estamos
envolvidos pela genialidade de Milan Kundera, capaz de criar personagens tão
fascinantes, como os que citei, e como dezenas de tantos outros. que têm muito
a nos ensinar e nos fazer refletir.
Boa leitura.
O Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Parecia impossível criar dois personagens inesquecíveis num único livro e Milan Kundera conseguiu.
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